AMIGOS,
Na ensombração do [meu] quarto, o mundo [da dor, do sofrimento] sumia enquanto [um email, um comentário] entravam em ovulação.
[A minha palavra] não sabe pintar a alma, dá apenas retalhos dela – por isso, em pública e silenciosa despedida, (como muitos intuíram, e disso me deram conta por email, - ui! como estes queridos virtuais amigos aprenderam a conhecer-me bem!) era minha intenção ser «Súplica Final» o último post de Texere . É este.
Aguardo a mercê dos deuses para, em momento de maior ânimo, me dirigir a cada um, individualmente. Até lá permitam-me a repetição de um texto do meu particular aprazimento, vos ofereça duas fotografias que, não sendo excelentes, me significam muito e, «para memória futura» :=), mais uma foto que, devido a peripécias várias, simboliza o mais belo momento das minhas férias.
Texere, comovido com a atenção, deixa três beijos – salgadíssimos (inevitáveis, as lágrimas! piegas é, também!) - para
- a Wind
- a Cecília
- o Carlos Peres Feio ( logo três referências?! nos três blogues?! Exageradão!)
e um xiiiii-coração para a M.
"por causa da cor do trigo..."
Dizia Teixeira de Pascoaes em carta a Raul Brandão: "A amizade verdadeira é o maior argumento a favor da existência de Deus". E talvez seja assim mesmo.
É no riso dos amigos que vivemos a infância. O riso dos segredos cúmplices, das pequenas infracções que ninguém descobriu, da curiosidade partilhada em alvoroço, do sopro sereno do vento nos cabelos.
É nos olhos dos amigos que recordamos a infância. Corridos os anos, a esperança já um pouco gasta, esmorecida a alegria, é nos olhos deles que encontramos por momentos a luz das manhãs de outrora, o entendimento que nasce sem palavras, a emoção do riso solto sem a censura das conveniências ou da idade, a magia das tardes em que se adivinhava a Primavera. É nos olhos dos amigos que, por segundos, repousamos na sensação de que nos afastáramos pouco antes quando na verdade os não víamos há meses, há anos, esgaçados entre o trabalho e o desencanto, o trânsito e o cansaço, a vida adiada e a morte pressentida.
É no rosto dos amigos que lemos o nosso envelhecer. As rugas, os cabelos brancos, o brilho embaciado do olhar, o ricto cada dia menos doce que nos vinca os lábios, os gestos lentos de amargura foram crescendo connosco sem que verdadeiramente déssemos por isso. É no rosto dos nossos amigos que sentimos a que ponto o tempo nos devastou, como se de repente e pela vez primeira nos olhássemos ao espelho. E é então que nos encontramos inermes, perdidos, desencantadamente lúcidos ante a vida que se esgotou sem que quase nunca saibamos porquê nem para quê. Mas também é no rosto envelhecido dos amigos que descobrimos a centelha de ternura que guardámos ainda quando os dias, de loucas aventuras sonhadas nas tardes chuvosas, se transformaram na própria chuva, miudinha e cinzenta, desinteressante e fria de renúncias.
Sentimento controverso, a amizade. Porque os amigos nos enchem a vida com a sua presença, mas também nos fazem provar o gosto acre da tristeza ou da saudade quando deles nos separamos, e nos deixam um insuportável vazio quando os perdemos. Dizia Séneca, numa Epistula a Lucílio em que procurava bálsamos para a ferida aberta da lembrança dos amigos desaparecidos:
Procedamos (...) de modo a que a recordação dos desaparecidos seja para nós um momento de doçura. Ninguém rememora voluntariamente uma coisa em que se não pode pensar sem aflição. [...]
[...] Gozemos intensamente a companhia dos nossos amigos, até porque quantas vezes os deixámos para partir em longas viagens, quantas vezes estivemos sem os ver embora morando na mesma terra [...]
Termino com um texto que todos conhecem mas que, julgo, lembra como nenhum que a amizade é memória e futuro, lágrimas e riso, serenidade e sobressalto, presença e saudade. É um texto d'O Principezinho, de A. de Saint-Exupéry. Diz o principezinho:
- Ando à procura de amigos. O que é que «estar preso» quer dizer?
- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu – disse a raposa. – Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.
- Laços?
- Sim, laços – disse a raposa. – Ora vê: por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E, para ti, eu também passo a ser única no mundo…
[...] se tu me prenderes a ti, a minha vida fica cheia de Sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Estás a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? Eu não como pão e, por isso, o trigo não me serve para nada. Os campos de trigo não me fazem lembrar nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então, quando eu estiver presa a ti, vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do barulho do vento a bater no trigo…
[…]
Foi assim que o principezinho prendeu a si a raposa. E quando chegou a hora da despedida:
- Ai! – exclamou a raposa – Ai que me vou pôr a chorar…
- A culpa é tua – disse o principezinho. – Eu bem não queria que te acontecesse mal nenhum, mas tu quiseste que eu te prendesse a mim…
- Pois quis – disse a raposa.
- Mas agora vais-te pôr a chorar! – disse o principezinho.
- Pois vou – disse a raposa.
- Então não ganhaste nada com isso!
- Ai isso é que ganhei! – disse a raposa. – Por causa da cor do trigo…
Maria Cristina de Castro-Maia de Sousa Pimentel, in Clássica 21