PROVÉRBIO


Lisboa,30-3-2005,20h 15m




A noite é a nossa dádiva de sol aos que vivem do outro lado da Terra.


Carlos de Oliveira, Trabalho Poético








Vincent Van Gogh

Sunflowers Run to Seed, 1887. Van Gogh Museum. Amsterdam

1853 - 1890


N'oublions pas que les petites émotions sont les grands capitaines de nos vies
et qu'à celles-là nous y obéissons sans le savoir.
Extrait d’une Lettre à son frère Théo

in Evene








PANDEMOS


Fugue à deux couleurs
Frantisek Kupka



Dentífona apriuna a veste iguana
de que se escalca auroma e tentavela,
Como supuerta e buritânea amela
se palquitonará transcendia inana!

Que vúlcios defuratos, que inumana
sussúrrica donstália penicela
às tricotas relesta demiquela,
fissivirão bolíneos, ó primana!

Dentívolos palpículos, baissai!
lingâmicos dolins, refucarai!
Por mamivornas contumai a veste!

E, quando prolifarem as sangrarias,
lambidonai tutílicos anárias,
tão placitantos como o pedipeste.


Jorge de Sena, Poesia








DEITA-TE AGORA


Noon Rest (after Millet) Saint-Rémy - Musée d'Orsay
Vincent Van Gogh



Deita-te agora, a meu lado, sobre o feno,
deixa que o incenso perfume os celeiros
onde adormecemos.

Toca o meu rosto voltado para cima,
como se procurasse no céu as carruagens de
cedro e ouro,
nos caminhos onde me perdi.

Traz-me o cântaro das tuas fontes.
Dá-me a beber a sua água porque os meus
lábios ardem.
Tenho sede.

É Verão, como sabes.
As cigarras eternizam a sua música de pianos
rudes,
as rãs destroem a serenidade do lago.

Nunca te levantes; não me voltes as costas.


José Agostinho Baptista, Esta voz é quase o vento







EXPLICAÇÃO DA AUSÊNCIA


figura sobre uma mesa
Almada Negreiros


Desde que nos deixaste o tempo nunca mais se transformou
Não rodou mais para a festa não irrompeu
Em labareda ou nuvem no coração de ninguém.
A mudança fez-se vazio repetido
E o a vir a mesma afirmação da falta.
Depois o tempo nunca mais se abeirou da promessa
Nem se cumpriu
E a espera é não acontecer - fosse abertura -
E a saudade é tudo ser igual.


Daniel Faria, Poesia








En soi

Fabergé. Colecção do M. H. de Young Memorial Museum
Ovo Flores da Primavera

Fabergé. Colecção do Hillwood Museum
Ovo dos Camafeus

Fabergé. Colecção do New Orleans Museum of Art
Ovo de Páscoa do Caucasus Imperial



on rentre chez soi
en soi
dans son oeuf
on s'y met à l'abri
loin des regards
loin des cris
on se retrouve seul
en tête-à-tête
sans yeux
dans le noir
l'âme se tait

silence
elle n'a plus envie de chanter
plus envie de pleurer
elle cherche le sommeil
l'oubli
elle reste emmurée
protégée dans sa coquille
ne veut plus rien
dormir
se blottir dans le rêve
partir

aller au loin
aux confins de l'univers
où il n'y a plus de frontières
se perdre
sombrer dans l'imaginaire
se consoler
n'avoir plus de peine
sourire
naître à la vie
renaître
vivre le bonheur


Yves Brillon,**


** Le diseur: Daniel Dubé









em fundo





em fundo

Monasterio de Santo Domingo de Silos. Burgos
Jorge Tutor


Santo Domingo de Silos
Choeurs des Moines Bénédictins
Pâques à Silos
Chant Grégorien




Monasterio de Santo Domingo de Silos







À Madanela


Penance of Mary Magdalene - Musee del Cau Ferrat - Barcelona
El Greco


À vossa verdadeira penitente
quam bem guardastes seus pontos devidos;
os Apóstolos eram já partidos,
ela não parte, vêde o que ali sente;

E assi mereceu ver primeiramente
Deus em terra em hábitos fingidos;
tudo Amor vence: altíssimos sentidos,
a quem tal ortelão se faz presente!

Gregório a põe por üa, outros Doutores
fazem as três; após Gregório vão
despois os mais, com todos os pintores.

Aqueles direi eu, Senhor, que são -
aqueles (outra vez!) que são Amores:
dos tais suspiros, um só nunca em vão!


Francisco de Sá de Miranda, In Poesias de Francisco de Sá de Miranda



Páscoa doce :-)
beijo meu








APENAS UM SONETO


 Berlin - aile du desir
Rugama



O delicado desejo que te doura
e nos dura na pele quando anoitece
é contra a nossa vida que se tece
e é no verso que vive e se demora.

Amor que não tivémos nem nos teve
veio-nos chamar agora. De repente
fez-se névoa a palavra do presente
e luz teu corpo que toquei de leve.

Mas se arde na memória da canção
o corpo que me deste e me fugiste,
o verso é outro modo de traição

por que minto ao que nunca tu mentiste.
E enganamos assim o coração,
disfarçando de mitos o que existe.


Luís Filipe de Castro Mendes, Modos de Música







A noite enrosca-se-me na cintura,...


pelargonium



A noite enrosca-se-me na cintura, a mover-me um cerco,
a colocar-me à mercê da lua. Um trilho de água-doce
humedece a orla de uma nudez convergente com o desejo.
Perante a indiferença de toda a gente, uma mulher desceu
a montanha, prenhe de solidão. Fascinada pela noite, deixou
que lhe mutilassem as mãos, para parir sem algemas.
E doeu-lhe no peito o grito de nascer de todos os filhos,
o soluço sufocado de todas as mães. Depois, pairou no ar,
um estranho aroma de sardinheiras brancas.


Graça Pires, Reino da Lua







GÉNESE


Cabo da Roca



Foi assim
Todo o mar que eu via
se precipitou logo no meu coração
Que é de sal

E os peixes cristalizaram
com os olhos mortos
para as suas manhãs refractadas

Escutando bem
ouve-se como ao pé das estátuas
música de uma fanada melancolia.


Sebastião Alba, A noite dividida



Beijo grato para F., dilectissimus amicus.








Poemeto Erótico


Kate Liu - Figure
Kate Liu


Teu corpo é tudo o que brilha
Teu corpo é tudo o que cheira
Rosa, flor de laranjeira
Teu corpo, claro e perfeito
Teu corpo de maravilha
Quero possui-lo no leito estreito da redondilha
Teu corpo, branco e macio
E' como um véu de noivado.
Teu corpo é pomo doirado,
Rosal queimado de estio
Desfalecido em perfume
Teu corpo é a brasa do lume
Teu corpo é chama
E flameja como à tarde os horizontes
É puro como nas fontes a água clara que serpeja,
Que em cantigas se derrama, volúpia da água e da chama
Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira.
A todo momento o vejo
Teu corpo, a única ilha no oceano do meu desejo.


Manuel Bandeira, **





em fundo

Primavera



Igor Stravinsky
Le sacre du Printemps
Chicago Symphony Orchestra
Daniel Barenboim



AU PRINTEMPS

La froidure paresseuse
De l’hiver a fait son temps.
Voici la saison joyeuse
Du délicieux printemps.

La terre est d’herbe ornée,
L’herbe, de fleurettes, l’est,
La feuillure retournée
Fait ombre dans la forêt.

Mais oyez dans le bocage
Le flageolet du berger,
Qui agace le ramage
Du rossignol bocager.

Tout résonne des voix nettes
De toutes races d’oiseaux,
Par les champs, des alouettes,
Des cygnes, dessus les eaux.


Jean-Antoine de Baïf (1532-1589)










Canção de viagem no rio Chikuma


chikuma gawa no haru
daqui



Ontem foi outra vez assim,
Também hoje será assim,
Para quê tanta agitação nesta vida,
Sempre ansiosos pelo dia de amanhã?

Muitas vezes desci ao vale
Onde se detém o sonho do crescimento e do declínio
E vi as ondas do rio hesitantes,
Água cheia de areia que enrola e regressa.

Ah! A velha mansão - que diz ela?
A ondulação na margem - o que responde?
Em silêncio pensa no tempo que passou,
Cem anos como se fosse ontem.

Os salgueiros do Rio Chikuma crescem frágeis:
A Primavera frívola, a água afastando-se.
Sozinho vagueio entre as rochas.
E a esta margem prendo os meus cuidados.

Shimazaki Tóson. Trad.: José Alberto Oliveira



Beijo de parabéns, Ricardo.

Promessa: para o ano, já escrevo o texto no original ;-)

Em tempos de vacas magras, as prendas possíveis:









Bocca - Boca


La bocca
che prima mise
alle mie labbra il rosa dell'aurora
ancora
in bei pensieri ne sconto il profumo.

O bocca fanciullesca, boca cara,
che dicevi parole ardite ed eri
cosi dolce a bacciare.


Umberto Saba, Ultime cose





A boca
que primeiro levou
aos meus lábios a cor da aurora
ainda
em belos pensamentos desconto o aroma

Ó pueril boca, amada boca,
que dizias o que ousavas e tão doce
eras a beijar.


Umberto Saba. Trad.: Eugénio de Andrade







O Profeta



Thomas Schlier


Pouco antes de morrer
disse ele ao povo:
Deus te dê ira,
que paciência tens de mais


Celso Emílio Ferreira, mesa de amigos
Trad.: Pedro da Silveira







CONVIDA-ME SÓ PARA JANTAR


Diner
Kate Liu



E não queiras depois fazer amor.
Convida-me só para jantar
num restaurante sossegado
numa mesa de canto
e fala devagar
e fala devagar
eu quero comer uma sopa quente
não quero comer mariscos
os mariscos atravancam-me o prato
e estou cansada para os afastar
fala assim devagar
                devagar
não é preciso dizeres que sou bonita
mas não me fales de economia e de política
fala assim devagar
                devagar
deita-me o vinho devagar
quando o meu copo estiver vazio.
Estou convalescente
sou convalescente
não é preciso que o percebas
mas por favor não faças força em mim.
Fala, estás-me a dar de jantar
estás-me a pôr recostada à almofada
estás-me a fazer sorrir ao longe
fala assim devagar
                devagar
                devagar


Ana Goês
In 366 poemas que falam de amor
Antologia organizada por
Vasco Graça Moura







AMOR VIVO


Love
Klimt


Amar! mas dum amor que tenha vida...
Não sejam sempre tímidos arpejos,
Não sejam delírios e desejos
Duma doida cabeça escandecida...

Amor que viva e brilhe! luz fundida
Que penetre o meu ser - e não só beijos
Dados no ar - delírios e desejos -
Mas amor... dos amores que têm vida...

Sim, vivo e quente! e já a luz do dia
Não virá dissipá-lo nos meus braços,
Como névoa da vaga fantasia...

Nem murchará do Sol à chama erguida...
Pois que podem os astros dos espaços
Contra uns débeis amores... se têm vida?


Antero de Quental, Poesia Completa







Cansa sentir quando se pensa.


Armin [m]
Armin [m]


Cansa sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
Há uma solidão imensa
Que tem por corpo o frio do ar.

Neste momento insone e triste
Em que não sei quem hei-de ser,
Pesa-me o informe real que existe
Na noite antes de amanhecer.

Tudo isto me parece tudo.
E é uma noite a ter um fim
Um negro astral silêncio surdo
E não poder viver assim.

(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
Mundo mudo, silêncio mudo –
Ah, nada é isto, nada é assim!)


Fernando Pessoa, Cancioneiro







Te quiero - Amo-te



herzlich
Markus Latzberg


Te quiero.

Te lo he dicho con el viento,
jugueteando como animalillo en la arena
o iracundo como órgano impetuoso;

Te lo he dicho con el sol,
que dora desnudos cuerpos juveniles
y sonríe en todas las cosas inocentes;

Te lo he dicho con las nubes,
frentes melancólicas que sostienen el cielo,
tristezas fugitivas;

Te lo he dicho con las plantas,
leves criaturas transparentes
que se cubren de rubor repentino;

Te lo he dicho con el agua,
vida luminosa que vela un fondo de sombra;
te lo he dicho con el miedo,
te lo he dicho con la alegría,
con el hastío, con las terribles palabras.

Pero así no me basta:
más allá de la vida,
quiero decírtelo con la muerte;
más allá del amor,
quiero decírtelo con el olvido.


Luis Cernuda, Un rio, un amor * Los Placeres Prohibidos


Amo-te.

Disse-to com o vento,
Jogando com um pequeno animal na areia
Ou iracundo como órgão tempestuoso;

Disse-to com o sol,
Que doura os juvenis corpos nus
E sorri em todas as coisas inocentes,

Disse-to com as nuvens,
Rostos melancólicos que sustêm o céu,
Tristezas fugitivas;

Disse-to com as plantas,
Leves criaturas transparentes
Que se cobrem de rubor repentino;

Disse-to com a água,
Vida luminosa que vela um fundo de sombra;
Disse-to com o medo,
Disse-to com a alegria,
Com o tédio, com as terríveis palavras.

Mas assim não me basta.
Mais além da vida,
Quero dizer-te com a morte;
Mais além do amor,
Quero dizer-te com o esquecimento.


Luis Cernuda, Um Rio, Um Amor * Os Prazeres Proibidos
Trad.: João Emanuel Diogo








em fundo

Nureyev&Fonteyn - Swan Lake



Tchaikovsky
O Lago dos Cisnes
Orquestra Filarmónica de Berlim
Mstislav Rostropóvich
Deutsche Grammophon






Tchaikovsky também aqui
(as a Free Member)


Especialíssimo abraço para ti, que conheci graças a Rudi.









Pedra filosofal


São Lourenço



Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos duma criança.


António Gedeão, Movimento Perpétuo







Vem aos meus sonhos


Robert Burle Marx
Robert Burle Marx



Vem aos meus sonhos,
faz em mim a tua casa.

Planta, em frente, a cerejeira dos
pássaros brancos,
deixa que eles pousem nos ramos e cantem
eternamente,
deixa que nas suas asas de luz eu leia o meu
nome,
antes de os relâmpagos acenderem os prados.

Vem aos meus sonhos,
vê os labirintos por onde me perco,
vê os meus países do mar,
vê, em cada barco que parte do meu coração,
as viagens que não fiz,
os amores que não tive,
a lua cruel da minha solidão.


José Agostinho Baptista, Esta voz é quase o vento







Há dias em que


São João da Caparica



Há dias em que
toda a maré negra
dos medos da infância
dá à costa

Então é fechar os olhos
e deixar
que a onda alta
rebente

e passe
e se canse
de nos fustigar

e nos arremesse
à praia
Exaustos


Teresa Rita Lopes, Cicatriz







Müde - Cansado


Fatigue.1887. Musée Rodin
Rodin



Ich bin müde...
Mir den Bäumen führte ich Gespräche.
Mit den Schafen litt ich die Dürre.
Mit den Vögeln sang ich in Wäldern.
Ich liebe die Mädchen im Dorf.
Ich schaute hinauf zur Sonne.
Ich sah das Meer.
Ich arbeitete mit dem Töpfer.
Ich schluckte den Staub auf der Landstrasse.
Ich sah die Blütten der Melancholie auf dem Feld meines Vaters.
Ich sah den Tod in den Augen meines Freundes.
Ich streckte die Hand aus nach den Seelen der Ertrunkenen.
Ich bin müde...


Thomas Bernhard, Auf der Erde und in der Hölle



Estou cansado...
Com as árvores entabulei conversas.
Com as ovelhas sofri o horror da seca.
Com os pássaros cantei nas florestas.
Amei as raparigas da aldeia.
Ergui os olhos para o Sol.
Vi o mar.
Trabalhei com o oleiro.
Engoli o pó da estrada.
Vi as flores da melancolia no campo do meu pai.
Vi a morte nos olhos do meu amigo.
Estendi a mão para a alma dos afogados.
Estou cansado...


Thomas Bernhard, Na terra e no inferno
Trad.: José A. Palma Caetano








Landscape With The Fall of Icarus


Landscape with the Fall of Icarus.Musees Royaux des Beaux-Arts de Belgique, Brussels
Bruegel



According to Brueghel
when Icarus fell
it was spring

a farmer was ploughing
his field
the whole pageantry

of the year was
awake tingling
near

the edge of the sea
concerned
with itself

sweating in the sun
that melted
the wings' wax

unsignificantly
off the coast
there was

a splash quite unnoticed
this was
Icarus drowning


From Collected Poems: 1939-1962,
Volume II by William Carlos Williams

gostei tanto da sua "intertextualidade"que não resisto.
Aqui a coloco.
Muito obrigada. Grande abraço :-)









La femme est l'avenir de l'homme

The three Ages of Woman
Klimt

la femme est l'avenir de l'homme, elle est la couleur de son âme.

Aragon, Le Fou d'Elsa



Le poète a toujours raison
Qui voit plus haut que l'horizon
Et le futur est son royaume
Face à notre génération
Je déclare avec Aragon
La femme est l'avenir de l'homme

Entre l'ancien et le nouveau
Votre lutte à tous les niveaux
De la nôtre est indivisible
Dans les hommes qui font les lois
Si les uns chantent par ma voix
D'autres décrètent par la bible

Le poète a toujours raison
Qui détruit l'ancienne oraison
L'image d'Eve et de la pomme
Face aux vieilles malédictions
Je déclare avec Aragon
La femme est l'avenir de l'homme

Pour accoucher sans la souffrance
Pour le contrôle des naissances
Il a fallu des millénaires
Si nous sortons du moyen âge
Vos siècles d'infini servage
Pèsent encor lourd sur la terre

Le poète a toujours raison
Qui annonce la floraison
D'autres amours en son royaume
Remet à l'endroit la chanson
Et déclare avec Aragon
La femme est l'avenir de l'homme

Il faudra réapprendre à vivre
Ensemble écrire un nouveau livre
Redécouvrir tous les possibles
Chaque chose enfin partagée
Tout dans le couple va changer
D'une manière irréversible

Le poète a toujours raison
Qui voit plus haut que l'horizon
Et le futur est son royaume
Face aux autres générations
Je déclare avec Aragon
La femme est l'avenir de l'homme



Jean Ferrat,
Ferrat chante Aragon








COM A TUA LETRA



Fala-se de amor para falar de muitas
coisas que entretanto nos sucedem.
Para falar do tempo, para falar do mundo
usamos o vocabulário preciso
que nos dá o amor.

Eu amo-te. Quer dizer: eu conheço melhor
as estradas que servem o meu território.
Quer dizer: eu estou mais acordado,
não me enredo nas silvas, não me enredo,
não me prendo nos cardos, não me prendo.
Quer também dizer: amar-te-ei
cada dia mais, estarei cada dia
mais acordado. Porque este amor não pára.

Porque eu amo-te, quer dizer, eu estou atento
às coisas regulares e irregulares do mundo.
Ou também: eu envio o amor
sob a forma de muitos olhos e ouvidos
a explorar, a conhecer o mundo.

Porque eu amo-te, isto é, eu dou cabo
da escuridão do mundo.
Porque tudo se escreve com a tua letra.


Fernando Assis Pacheco, Cuidar dos Vivos









Infinito pó


San Giorgio Maggiore
Nernd Nasner



No mosteiro no fim do de
clive.
A descida e a subida que se
assemelham. Estas sensações
agudíssi
mas. Domingo dia das apoteoses.
A ausência consubstanciada no
infinito pó
do côrrego. O que está a
ouvir-se
na capela do coro incerto
é um grito. Nada se desprende
do folhedo das oliveiras
além das folhas. No claustro
a tranquilidade caótica onde
o pormenor me perturba. O
pouco
e a falta. Ínfimo dos ínfimos.
Perda.

Fiama Hasse Pais Brandão, Âmago








em fundo

Still Life with Guitar
Picasso


Rodrigo
Concierto de Aranjuez
Narciso Yepes, guitar
Orquestra Sinfónica de RTV Española
Odón Alonso
Deutsche Grammophon



Joaquin Rodrigo

Concierto de Aranjuez









CULTO






Reclusa, retomo sempre
e sempre reinvento
o meu nada absoluto

A partir de mim própria,
o que de mim oculto


Maria Teresa Horta, Destino







Gregor transformou-se...


Hosted by Photobucket.com
Klaus Ender



Gregor transformou-se em barata gigante.
Eu não: fiz-me aranhiço,
tão leve que uma leve brisa o faz
oscilar no seu fio de baba lisa.
Até que, contra a lei da natureza,
creio que tenho peso negativo,
e me elevo no ar se me não prendo
ao canto mais escuro desta ilha.
Quando descer à teia derradeira
não se verá no mundo alteração, ou só
talvez alguma mosca contente.
Em noites de luar, na alta esquina,
ficará a brilhar, mas sem ser vista,
a estrela que tracei como armadilha.


António Franco Alexandre, Aracne







Uma marca de algum fogo. O que nela foste tu



Gabriela (Ella) Powel



Uma marca de algum fogo. O que nela foste tu
apenas, a dor que causas ou que no corpo se demora.
O amor obriga a esquecer. Estiola, o corpo, demora-se
um pouco mais como uma lembrança, como uma vaga.
É tão pouco, o corpo, tão claro o seu prazer,
tão só. Diante dele se morre, se emudece, se não acorda
em ti o calor de um Verão intenso. Diante dele
se morre, se não se abre naquele instante o clarão
em que a tua sede encontra outra sede sua igual,
ou nem isso, só um corpo, uma condição, uma ventania.


Francisco José Viegas, O puro e o impuro







Neste momento






Neste momento
um pássaro qualquer
canta, explica as flores
perto da margem dum rio.

Nunca ouvi esse pássaro cantar
nem sei onde o rio corre...

Mas todas as noites no meu quarto
tento aprender de cor
essa melodia que não ouço
- sentindo o coração pesado
como um pássaro morto.


Josá Gomes Ferreira, Poesia I