SÚPLICA FINAL








      Senhor: não peço mais que silêncio,
      o silêncio das noites de planície como enovoadas águas,
      o silêncio dos montes quando a tarde acabou e as
                                                                        [pedras
      se afiam na friagem que é azul-celeste,
      o silêncio do sol encarquilhando as folhas,
      e o vento na areia depois de ter passado,
      o silêncio das ondas ao longe espumejando tranquilas,
      o silêncio das mãos e o dos olhos,
      e o das aves negras que pairam nas alturas
      de um céu silencioso e límpido.  Não peço
      mais que silêncio.   O silêncio das ideias que deslizam
      no tecto escorregadio da memória silente.
      E o silêncio dos sonhos coloridos, e o dos outros
      a preto e branco imagens desejadas
      que não pensei que desejava e esqueço
      ao querer lembrá-las.   E o silêncio
      dos sexos que se possuem sem uma palavra.
      E o do amor também, tão silencioso esse,
      que não sei quem amo.
      Não peço mais.   Afasta
      de mim o estrondo: não o das cidades,
      ou dos homens, das águas, do que estala
      na memória ou penumbra das salas desertas.
      Afasta de mim o estrondo com que a vida
      se acabará contigo, num rasgar de súbito
      em que ficarei inerte e silencioso.   O estrondo
      em que não ouvirei mais nada.   O estrondo
      em que não mexerei um dedo.   O estrondo
      em que serei desfeito.   O estrondo
      em que de olhos abertos
      alguém mos abrirá.
      Senhor: não peço mais do que o silêncio do mundo,
      o silêncio dos astros, o silêncio das coisas
      que outros homens fizeram, e o das coisas
      que eu próprio fiz.
      E o teu silêncio
      de senhor que foi.  Não peço mais.
      Não é nada o que peço.   Dá-me
      o silêncio.   Dá-me o que não fui:
      silêncio (porque calei tanto):
      o que não sou (pois que calo tanto):
      o que hei-de ser (já que falar não adianta):
      Silêncio.
      Senhor: não peço mais.


      Jorge de Sena, Peregrinatio ad Loca Infecta


14 Comments:

Blogger JOAQUIM CASTILHO said...

Seja bem vinda depois das suas férias, certamente com um bornal cheio de belas fotos como a poética sombra que hoje nos ofereceu.
Eu, no intervalo entre duas "férias", vou também desenhando as minhas sombras:

Por cima das palavras
Sombras,
As sombras acres
Das palavras não ditas
Porque manchariam
Os dias verdes.
Ficam suspensos
Silêncios apagados,
Espaços doridos na memória,
Para que os risos se estendam
Na mansidão da tarde.

Um abraço
e até breve

QUIM

12:44 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

bem-vinda! ...mas constou-me nova ausência ?? foi um passarinho que me disse! bom resto de Agosto! bj cf

1:13 da tarde  
Blogger hfm said...

E com que força voltaste. Um abraço.

2:32 da tarde  
Blogger wind said...

Uma das orações que eu era capaz de rezar, pois mais nenhuma o sei fazer.
Sublime este post foto/palavras!:)
Beijos*****

11:26 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

AMIGA!...

Bj JP-

12:02 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Fico muito feliz com tua volta das férias. Com certeza descansou muito, aproveitou cada minuto. Já nos brinda com tão belo poema e uma belíssima imagem, quando o sol está dourado, quem sabe no final da tarde... Deixo meu beijo, meu carinho e os votos de um final de semana feliz.

12:17 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Uma bela oração para, no silêncio, como diria o meu Quico, o Senhor da Esfera nos ouvir. Dento de dias, também andarei só, no meio do silêncio e silenciosamente, pedirei ao Senhor que dê a todos nós todo esse silêncio que o Jorge de Sena pede. Talvez Ele nos dê uma Paz que tanta falta faz a este mundo. Bjs.

4:49 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Belo regresso, o seu ! Férias revigorantes, por certo. Sabe que já sentia a sua falta ? Várias vezes aqui passei para ver se tinha chegado. Mas foi bom encontrá-la após a minha chegada de uns dias fora, antes de voltar a partir por mais uns dias. E fui e vou com aquilo a que costumo chamar " Fome de silêncio para poder escutar ". É tão sentida esta poesia de Jorge de Sena, de quem, curiosamente, me aproximei nestes dias de repouso.
Um abraço.
fsm.

12:03 da manhã  
Blogger None said...

Prazer, por ler este belo poema. E sem mais palavras....

12:48 da manhã  
Blogger Passageira said...

Que bom ter vc de volta! Espero que as férias tenham sido excelentes, viu?
Que bela oração... mas acho que não seria capaz de pedir tão pouco! rs...
Beijos querida!

1:12 da manhã  
Blogger Manuel Veiga said...

prazer grande saber-te de volta, minha Amiga! e ler as tuas escolhas poéticas.sempre belas

1:27 da tarde  
Blogger Unknown said...

As cores da foto são fantásticas. Fantástico, também, é Jorge de Sena.

Beijinho.

7:40 da tarde  
Blogger M. said...

Tens um desafio no Palavra Puxa Palavra.

12:31 da manhã  
Blogger Su said...

vim cá ter atraves do blog da wind....e adorei ler / ver...
voltarei mil vezes
jocas maradas

9:30 da tarde  

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