Je t'aime



Jim Dine


Pour la rosée qui tremble
Au calice des fleurs
De n'être pas aimée
Et ressemble à ton coeur
Je t'aime...

Pour le doigt de la pluie
Au clavecin de l'étang
Jouant page de lune
Et ressemble à ton chant
Je t'aime...

Pour l'aube qui balance
Sur le fil d'horizon
Lumineuse et fragile
Et ressemble à ton front
Je t'aime...

Pour l'aurore légère
Qu'un oiseau fait frémir
En la battant de l'aile
Et ressemble à ton rire
Je t'aime...

Pour le jour qui se lève
Et dentelle le bois
Au point de la lumière
Et ressemble à ta joie
Je t'aime...

Pour le jour qui revient
D'une nuit sans amour
Et ressemble déjà
Ressemble à ton retour
Je t'aime...

Pour la porte qui s'ouvre
Pour le cri qui jaillit
Ensemble de deux coeurs
Et ressemble à ce cri
Je t'aime
Je t'aime
Je t'aime


Jacques Brel




Por algum motivo as lágrimas descem



Alessandra Ciabuschi



Por algum motivo as lágrimas descem
até à boca.
Mastiga-se o sabor, entra
no sangue o sal,
em vida se transforma, é
sulco que a dor abre, fertiliza,
aberta linha de semeadura onde
poderá surgir um bosque,
uma cidade, uma injustiça...

É o gosto da dor
que vitaliza, acende o palpitar
no coração que sobe à superfície.

Descem até à boca
por algum motivo as lágrimas.


Egito Gonçalves, O Fósforo na Palha








DIA DE ANOS



Wiora



Com que então caiu na asneira
de fazer na quinta-feira
vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse...
Mas fazê-los não parece
de quem tem muito miolo!

Não sei quem foi que me disse
que fez a mesma tolice, aqui o ano passado...
Agora, o que vem, aposto,
como lhe tomou o gosto,
que faz o mesmo. Coitado!

Não faça tal; porque os anos
que nos trazem? Desenganos
que fazem a gente velho;
faça outra coisa; que, em suma,
não fazer coisa nenhuma,
também lhe não aconselho.

Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
às vezes por brincadeira,
mas depois, se se habitua,
já não tem vontade sua,
e fá-los, queira ou não queira!


João de Deus, Campo de Flores



:-) beijo de parabéns, D. Loba ;-)

-imperdoável, o atraso -








Aflição



Günter Rolf



Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.

Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.


Hilda Hilst, **


** daqui








em fundo



Stravinsky
Sinfonia dos salmos
Coro da Ópera de Berlim
Orquestra Filarmónica de Berlim
Herbert von Karajan
Deutsche Grammophon





Beijo meu, para ti, F., dilectissimus amicus.

Do Miradouro da Senhora do Monte

para que recordes, aí, tão longe...










A queda



Chagall



E eu que sou o rei de toda esta incoerência,
Eu Próprio turbilhão, anseio por fixá-la
E giro até partir... Mas tudo me resvala
Em bruma e sonolência.

Se acaso em minhas mãos fica um pedaço d'ouro,
Volve-se logo falso... ao longe o arremesso...
Eu morro de desdém em frente dum tesouro
Morro à míngua, de excesso.

Alteio-me na cor à força de quebranto,
Estendo os braços d'alma - e nem um espasmo venço!...
Agonias de luz eu vibro ainda entanto.

Não me pude vencer, mas posso-me esmagar,
-Vencer às vezes é o mesmo que tombar-
E como inda sou luz, num grande retrocesso,
Em raivas ideais, ascendo até ao fim:
Olho do alto o gelo, ao gelo me arremesso...
.............................................................
Tombei...

E fico só esmagado sobre mim!...


Mário de Sá-Carneiro, Dispersão








HORAS MORTAS


Pintura: Maria Helena Vieira da Silva
Transposição para azulejo: Manuel Cargaleiro
Fotografia: José Carlos Nascimento




Se eu não morresse, nunca! E eternamente

Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!

Cesário Verde




Metropolitano de Lisboa



O tecto fundo de oxigénio, de ar,
Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras;
Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras,
Enleva-me a quimera azul de transmigrar.

Por baixo, que portões! Que arruamentos!
Um parafuso cai nas lajes, às escuras:
Colocam-se taipais, rangem as fechaduras,
E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos.

E eu sigo, como as linhas de uma pauta
A dupla correnteza augusta das fachadas;
Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas,
As notas pastoris de uma longínqua flauta.

Se eu não morresse, nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!
Esqueço-me a prever castíssimas esposas,
Que aninhem em mansões de vidro transparente!

Ó nossos filhos! Que de sonhos ágeis,
Pousando, vos trarão a nitidez às vidas!
Eu quero as vossas mães e irmãs estremecidas,
Numas habitações translúcidas e frágeis.

Ah! Como a raça ruiva do porvir,
E as frotas dos avós, e os nómadas ardentes,
Nós vamos explorar todos os continentes
E pelas vastidões aquáticas seguir!

Mas se vivemos, os emparedados,
Sem árvores, no vale escuro das muralhas!...
Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas
E os gritos de socorro ouvir, estrangulados.

E nestes nebulosos corredores
Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas;
Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas,
Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores.

Eu não receio, todavia, os roubos;
Afastam-se, a distância, os dúbios caminhantes;
E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes,
Amareladamente, os cães parecem lobos.

E os guardas que revistam as escadas,
Caminham de lanterna e servem de chaveiros;
Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros,
Tossem, fumando sobre a pedra das sacadas.

E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés, de fel, como um sinistro mar!


Cesário Verde, O Livro de Cesário Verde







SI UNA TARDA







Si una tarda

plou la tristesa i lluen sota el baf

les carrosseries dels cotxes, tot creuant

els semàfors, el fang i el fàstic

de la ciutat humida;

si una tarda

un surt cansat de fer feina i plou,

i plou la tristesa i plou tant que els cecs

s’arrufen sota els portals dins la seva ceguesa,

com pot un aguantar els ulls de les nines

boges, els ulls de les nines lletges!

La letargia, la tarda, la pluja, la pena,

l’esfondrament general,

el neguen tant a un, que un s’aferra,

a on sigui, a una cançoneta grisa i d’amor,

brufada d’esperit.



Miquel Bauça



Abraço, Gaspar. Obrigada.








Viver!



Stephan Kocher



É tão frágil a vida,
tão efémero tudo!
(Não é verdade, amiga,
olhinhos-cor-de-musgo?)

E ao mesmo tempo é forte,
forte da veleidade
de resistir à morte
quanto maior a idade.

Assim, aos trinta e sete,
fechados alguns ciclos,
a vida ainda pede
mais sentimentos, vínculos.

Não tanto os que nos deram
a fúria de viver,
como esses descobertos
depois de se saber

que a vida não é outra
senão a que fazemos
(e a vida é uma só,
pois jamais voltaremos)

Partidários da vida,
melhor: do que está vivo,
digamos "não" a tudo
que tenha outro sentido.

E que melhor pretexto
(quem o saiba que o diga!)
teremos p'ra viver
senão a própria vida?


Alexandre O'Neill,
No Reino da Dinamarca







Madrugada de Alfama






Mora num beco de Alfama
E chamam-lhe a madrugada,
Mas ela, de tão estouvada
Nem sabe como se chama.

Mora numa água-furtada
Que é a mais alta de Alfama
E que o sol primeiro inflama
Quando acorda a madrugada.
Mora numa água-furtada
Que é a mais alta de Alfama.

Nem mesmo na Madragoa
Ninguém compete com ela,
Que do alto da janela
Tão cedo beija Lisboa.

E a sua colcha amarela
Faz inveja à Madragoa:
Madragoa não perdoa
Que madruguem mais do que ela.
E a sua colcha amarela
Faz inveja à Madragoa.

Mora num beco de Alfama
E chamam-lhe a madrugada;
São mastros de luz doirada
Os ferros da sua cama.

E a sua colcha amarela
A brilhar sobre Lisboa,
É como a estátua de proa
Que anuncia a caravela,
A sua colcha amarela
A brilhar sobre Lisboa.


Poema: David Mourão-Ferreira
Música: Alain Oulman
Canta: Amália Rodrigues
(gravação de 1962)








PASTORAL






Não há, não,
duas follhas iguais em toda a criação.

Ou nervura a menos, ou célula a mais,
não há, de certeza, duas folhas iguais.

Limbo todas têm,
que é próprio das folhas;
pecíolo algumas;
bainha nem todas.
Umas são fendidas,
crenadas, lobadas,
inteiras, partidas,
singelas, dobradas.
Outras acerosas,
redondas, agudas,
macias, viscosas,
fibrosas, carnudas.
Nas formas presentes,
nos actos distantes,
mesmo semelhantes
são sempre diferentes.

Umas vão e caem no charco cinzento,
e lançam apelos nas ondas que fazem;
outras vão e jazem
sem mais movimento.
Mas outras não jazem,
nem caem, nem gritam,
apenas volitam
nas dobras do vento.

É dessas que eu sou.


António Gedeão, Teatro do Mundo







em fundo




Liszt
Sonata em B minor para piano
Sviatoslav Richter
Philips



Ode to Franz Liszt







MANHÃ






Como um fruto que mostra
Aberto pelo meio
A frescura do centro.

Assim é a manhã
Dentro da qual eu entro.


Sophia de Mello Breyner Andresen,
Livro Sexto








Crónica




foto daqui


Eram barcos e barcos que largavam
fez-se dessa matéria a nossa vida
marujos e soldados que embarcavam
e gente que chorava à despedida

Ficámos sempre ou quase ou por um triz
correndo atrás das sombras inseguras
sempre a sonhar com índias e brasis
e a descobrir as próprias desventuras

Memória avermelhada dos corais
com sangue e sofrimento amalgamados
se rasga escuridões e temporais
traz-nos também nas algas enredados

E ganhou-se e perdeu-se a navegar
por má fortuna e vento repentino
e o tempo foi passando devagar
tão devagar nas rodas do destino

Que ou nós nos encontramos ou então
ficamos uma vez mais à deriva
neste canto que é nosso próprio chão
sem que o canto sequer nos sobreviva


Vasco Graça Moura, Letras do Fado Vulgar







Augúrio








Não antecipes a tristeza
de morrer: não queiras muito
às lágrimas: consola-te
bebendo-as. E sê grato ao dia
em que, vivo, as tragaste.


António Osório,
O Lugar do Amor
e Décima Aurora








AMOR







Amor desta tarde que arrefeceu
as mãos e os olhos que te dei;
amor exacto, vivo, desenhado a fogo,
onde eu próprio me queimei;

amor que me destrói e destruiu
a fria arquitectura desta tarde
- só a ti canto, que nem eu já sei
outra forma de ser e de encontrar-me.

Só a ti canto que não há razão
para que o frio que me queima os olhos
me trespasse e me suba ao coração;

só a ti canto, que não há desastre
donde não possa ainda erguer-me
para encontrar de novo a tua face.


Eugénio de Andrade, Os Amantes sem Dinheiro







In einen Teppich aus Wasser - Num tapete de água



In einen Teppich aus wasser
sticke meine Tage,
meine Götter und meine Krankheiten.

In einen Teppich aus Grün
sticke ich meine roten Leiden,
meine blauen Morgen,
meine gelben Dörfer und Honigbrote.

In einen Teppich aus Erde
sticke ich meine Vergängnis.
Ich sticke meine Nacht hinein
und meinen Hunger,
meine trauer
und das Kriegsschiff meiner Verzweiflungen
das hinübergleitet in tausend Gewässer,
in die Gewässer der Unruhe,
in die Gewässer der Unsterblichkeit.


Thomas Bernhard, Auf der Erde und in der Hölle




Odilon Redon



Num tapete de água
vou bordando os meus dias,
os meus deuses e as minhas doenças.

Num tapete de verdura
vou bordando os meus sofrimentos vermelhos,
as minhas manhãs azuis,
as minhas aldeias amarelas e os meus pães de mel amarelos também.

Num tapete de terra
vou bordando a minha efemeridade.
Nele vou bordando a minha noite
e a minha fome,
a minha tristeza
e o navio de guerra dos meus desesperos,
que vai deslizando p'ra mil outras águas,
paras águas do desassossego,
para as águas da imortalidade.


Thomas Bernhard, Na Terra e no Inferno
Trad.:José A. Palma Caetano



FMouro, pela sugestão (e livro!), abraço grato.








Rondel


Do amor quem amo nunca sei ao certo
e a quem me tem amor sei que esse amor
eu amo ardentemente e nada mais.
Dizer de amor, sei bem de quem não digo;
não sei, porém, já se o disser, de quem.
Tudo se perde no que quero. Às vezes,
quando possuo, não possuir quisera.
E teu amor me quer. Como saber
se quero ou se não quero que se perca?
Dizer de amor, assim, pensando em tudo?
Como é possível nascer outro, enquanto
o mesmo me conheço e a quem nasço?
Qual um ou outro? O que se esquece? Aquele
que se recorda? O que não pensa? O que
finge lembrar-se? Mas lembrar o quê?
Eu amo ardentemente e nada mais.


Jorge de Sena, Amor







Princípios



Daniel U. Jr.


Podíamos saber um pouco mais
da morte. Mas não seria isso que nos faria
ter vontade de morrer mais
depressa.

Podíamos saber um pouco mais
da vida. Talvez não precisássemos de viver
tanto, quando só o que é preciso é saber
que temos de viver.

Podíamos saber um pouco mais
do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar
de amar ao saber exactamente o que é o amor,ou
amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada
sabemos do amor.


Nuno Júdice







Falarei na lingua de...



Joerg W.




Falarei na lingua de Maria Peres,
a Balteira,
musa prostibularia e tecedeira de cantigas coa quentura por entre as coxas.
Falarei na lingua das irmandiñas que arrebolaron con forza
berros de liberación aos pais
da tiranía,
falarei bidueiro,
falarei croio,
sarabia, laxe, seara, burato, morno
sistema de signos,
símbolo
da memoria que esmorece.
Falarei na lingua de Rosalía,
de Xaquina Trillo,
de Mariña Mariño Carou,
a lingua renegada da meniña Carolina Otero violada
no camiño,
a lingua da miña avoa, canteira anónima,
arxina da Terra de Montes,
labradora de sucos na pedra de gra
e nas conciencias de todas as que soñaron ser amazonas
da linguaxe.
Para vós, meniñas de augamel,
mulleres en froita por madurecer,
falarán estes gromos de firmeza que me rebentan nos dentes
e son matas de arandeiras.
As palabras han ser xermolos nas miñas fillas e netas innumerábeis,
despois,
os meus ósos falarán na terra
para dar vida á terra
para dar nome á terra
e á prole que me xurdirá coa boca chea do poexo enchoupado das brañas.

Rebelión da palabra


Elvira Riveiro



Abraços, Elvira Riveiro e Tangaranho








as bocas que se juntam



Elisabeta Rogai



As bocas que se juntam,
exalação da carne
sobre a carne
e o latir, longe, dos cães,
rumor de cigarra,
arquejante chegada
do sangue, chuva e feno

e o rolo do mar
nos corpos quando se amam.


António Osório,
O Lugar do Amor
e Décima Aurora







La memoria en las manos



Elena



Hoy son las manos la memoria.
El alma no se acuerda, está dolida
de tanto recordar. Pero en las manos
queda el recuerdo de lo que han tenido.

Recuerdo de una piedra
que hubo junto a un arroyo
y que cogimos distraidamente
sin darnos cuenta de nuestra ventura.
Pero su peso áspero,
sentir nos hace que por fin cogimos
el fruto más hermoso de los tiempos.
A tiempo sabe
el peso de una piedra entre las manos.
En una piedra está
la paciencia del mundo, madurada despacio.
Incalculable suma
de días y de noches, sol y agua
la que costó esta forma torpe y dura
que acariciar no sabe y acompaña
tan sólo con su peso, oscuramente.
Se estuvo siempre quieta,
sin buscar, encerrada,
en una voluntad densa y constante
de no volar como la mariposa,
de no ser bella, como el lirio,
para salvar de envidias su pureza.
¡Cuántos esbeltos lirios, cuántas gráciles
libélulas se han muerto, allí, a su lado
por correr tanto hacia la primavera!
Ella supo esperar sin pedir nada
más que la eternidad de su ser puro.
Por renunciar al pétalo, y al vuelo,
está viva y me enseña
que un amor debe estarse quizá quieto, muy quieto,
soltar las falsas alas de la prisa,
y derrotar así su propia muerte.

También recuerdan ellas, mis manos,
haber tenido una cabeza amada entre sus palmas.
Nada más misterioso en este mundo.
Los dedos reconocen los cabellos
lentamente, uno a uno, como hojas
de calendario: son recuerdos
de otros tantos, también innumerables
días felices
dóciles al amor que los revive.
Pero al palpar la forma inexorable
que detrás de la carne nos resiste
las palmas ya se quedan ciegas.
No son caricias, no, lo que repiten
pasando y repasando sobre el hueso:
son preguntas sin fin, son infinitas
angustias hechas tactos ardorosos.
Y nada les contesta: una sospecha
de que todo se escapa y se nos huye
cuando entre nuestras manos lo oprimimos
nos sube del calor de aquella frente.
La cabeza se entrega. ¿Es la entrega absoluta?
El peso en nuestras manos lo insinúa,
los dedos se lo creen,
y quieren convencerse: palpan, palpan.
Pero una voz oscura tras la frente,
—¿nuestra frente o la suya?—
nos dice que el misterio más lejano,
porque está allí tan cerca, no se toca
con la carne mortal con que buscamos
allí, en la punta de los dedos,
la presencia invisible.
Teniendo una cabeza así cogida
nada se sabe, nada
sino que está el futuro decidiendo
o nuestra vida o nuestra muerte
tras esas pobres manos engañadas
por la hermosura de lo que sostienen.
Entre unas manos ciegas
que no pueden saber. Cuya fe única
está en ser buenas, en hacer caricias
sin cansarse, por ver si así se ganan
cuando ya la cabeza amada vuelva
a vivir otra vez sobre sus hombros,
y parezca que nada les queda entre las palmas,
el triunfo de no estar nunca vacías.


Pedro Salinas, largo lamento







La vie est semée...


Heidrun W.



La vie est semée de ces miracles
que peuvent toujours espérer
les personnes qui aiment.

Proust









Porque é culpa, ...



Matthias Pöltl



Porque é culpa, se alguma coisa é culpa,
não multiplicar a liberdade de um ser amado
de toda a liberdade que em nós possamos achar.
Onde amamos, temos apenas isto:
deixar-nos uns aos outros; porque prender-nos
é-nos fácil e não é preciso aprendê-lo.


Rainer Maria Rilke, Requiem para uma amiga








Ainda é grande o silêncio




Susanne Vopel



Ainda é grande o silêncio
que temos dentro. Levamos
a sua lenta abóbada de tempo
cumprindo as estações e a rotação dos anos.
Mas, sobretudo, vamos crestando e sendo
a uma astral experiência. Vamos
adquirindo essa tez translúcida dos velhos
que sabe à estrutura dos planaltos.
E, um dia, iluminados, entraremos
pelo portão sagrado,
como quem deu por si em pensamento,
com todo o seu silêncio iluminando.


Fernando Echevarría, Figuras







Foram pétalas



ultrafractal



Foram pétalas
Ou olhos de deusas
O que eu calquei?

Não
Não digam

Eu sei
Que foram sonhos


Daniel faria, Poesia







Juliette Greco




Fielleux comme souvent le sont ceux dont on dit qu'ils ont de l'humour

Juliette Greco, Jujube
(in Evene)



Nasceu em Montpellier a 7 de Fevereiro de 1927








em fundo



Schumann marriage portrait


Schumann
Adagio and allegro for Violoncello and Piano
in A flat major, op. 70

Mistislaw Rostropóvith - Martha Argerich
Deutsche Grammophon




Romantisme - Musique et peinture









LABAREDAS



Georgia O'keefee



I

Só a luz de um sorriso
no seu puro recorte
É tudo o que preciso
para adiar a morte


II

Sentir na tua pele
o princípio do mundo
pra que aí se revele
o nosso mar sem fundo


III

Beijar a tua boca
ao fim de tanto tempo
Descobrir como é louca
a chama a arder ao vento


IV

Entrar de novo em ti
com plena lucidez
de te saber aqui
pela primeira vez


V

Beber a tua luz
no corpo que se entrega
Só isso me conduz
à verdade mais cega


VI

São dois corpos sonâmbulos
à procura de um centro
semelhantes a tantos
no seu vão movimento


VII

Entre pétalas de água
o sabor do teu fogo


Fernando Pinto do Amaral, Pena Suspensa








CANÇÃO






Lá em baixo, em baixo, grande, grande,
o rio, o rio.
Na margem, a árvore, a árvore.

O vento move move
os ramos
ramos
ramos.


Versão de Herberto Helder
-América do Sul, Uitotos
in Rosa do Mundo
2001 Poemas para o futuro







If...



Munch

If anything is sacred, the human body is sacred

Walt Whitman




Imperdível


Abraço grato, Gaspar.









Lasso, triste,...






Lasso, triste, venho
do silêncio em mim.
Que escuro o caminho!
Que longe do fim!

Indeciso ainda
como um cristal baço;
mas que fome existe
já no meu cansaço!

Olho-me por dentro:
que frio, sozinho!
Aqueço-me ao fogo
do comum destino.


João José Cochofel, Os Dias Íntimos








Sobre estas duras, cavernosas fragas







Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai carcomendo,
Me estão negras paixões n'alma fervendo
Como fervem no pego as crespas vagas;

Razão feroz, o coração me indagas.
De meus erros a sombra esclarecendo,
E vás nele (ai de mim!) palpando, e vendo
De agudas ânsias venenosas chagas.

Cego a meus males, surdo a teu reclamo,
Mil objectos de horror co'a ideia eu corro,
Solto gemidos, lágrimas derramo.

Razão, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro.


Bocage







La terre est bleue



Magritte, La Lumière des coincidence




La terre est bleue comme une orange
Jamais une erreur les mots ne mentent pas
Ils ne vous donnent plus à chanter
Au tour des baisers de s'entendre
Les fous et les amours
Elle sa bouche d'alliance
Tous les secrets tous les sourires
Et quels vêtements d'indulgence
À la croire toute nue.

Les guêpes fleurissent vert
L'aube se passe autour du cou
Un collier de fenêtres
Des ailes couvrent les feuilles
Tu as toutes les joies solaires
Tout le soleil sur la terre
Sur les chemins de ta beauté.

Oeil de sourd
Faites mon portait.
Il se modifiera pour remplir tous les vides.
Faites mon portrait sans bruit, seul le silence,
A moins que - s'il - sauf - excepté -
Je ne vous entends pas.

Il s'agit, il ne s'agit plus.
Je voudrais ressembler -
Fâcheuse coïncidence, entre autres grandes affaires.
Sans fatigue, têtes nouées
Aux mains de mon activité.


Paul Eluard, L'amour la poésie