Madrugada de Alfama






Mora num beco de Alfama
E chamam-lhe a madrugada,
Mas ela, de tão estouvada
Nem sabe como se chama.

Mora numa água-furtada
Que é a mais alta de Alfama
E que o sol primeiro inflama
Quando acorda a madrugada.
Mora numa água-furtada
Que é a mais alta de Alfama.

Nem mesmo na Madragoa
Ninguém compete com ela,
Que do alto da janela
Tão cedo beija Lisboa.

E a sua colcha amarela
Faz inveja à Madragoa:
Madragoa não perdoa
Que madruguem mais do que ela.
E a sua colcha amarela
Faz inveja à Madragoa.

Mora num beco de Alfama
E chamam-lhe a madrugada;
São mastros de luz doirada
Os ferros da sua cama.

E a sua colcha amarela
A brilhar sobre Lisboa,
É como a estátua de proa
Que anuncia a caravela,
A sua colcha amarela
A brilhar sobre Lisboa.


Poema: David Mourão-Ferreira
Música: Alain Oulman
Canta: Amália Rodrigues
(gravação de 1962)