Seis ou treze coisas que eu aprendi sozinho



2 de Dezembro de 2005


A quinze metros do arco-íris o sol é cheiroso.

Manoel de Barros



Com cem anos de escória uma lata aprende a rezar.
Com cem anos de escombros um sapo vira árvore e cresce por cima das pedras até dar leite.
Insetos levam mais de cem anos para uma folha sê-los.
Uma pedra de arroio leva mais de cem anos para ter murmúrios.
Em seixal de cor seca estrelas pousam despidas.
Mariposas que pousam em osso de porco preferem melhor as cores tortas.
Com menos de três meses mosquitos completam a sua eternidade.
Um ente enfermo de árvore, com menos de cem anos, perde o contorno das folhas.
Aranha com olho de estame no lodo se despedra.
Quando chove nos braços da formiga o horizonte diminui.
Os cardos que vivem nos pedrouços têm a mesma sintaxe que os escorpiões de areia.
A jia, quando chove, tinge de azul o seu coaxo.
Lagartos empernam as pedras de preferência no inverno.
O vôo do jaburu é mais encorpado do que o vôo das horas.
Besouro só entra em amavios se encontra a fêmea dele vagando por escórias...
A quinze metros do arco-íris o sol é cheiroso.
Caracóis não aplicam saliva em vidros; mas, nos brejos, se embutem até o latejo.
Nas brisas vem sempre um silêncio de garças.
Mais alto que o escuro é o rumor dos peixes.
Uma árvore bem gorjeada, com poucos segundos, passa a fazer parte dos pássaros que a gorjeiam.
Quando a rã de cor palha está para ter
ela espicha os olhinhos para Deus.
De cada vinte calangos, enlanguescidos por estrelas, quinze perdem o rumo das grotas.
Todas estas informações têm soberba desimportância científica
como andar de costas.


Manoel de Barros



8 Comments:

Blogger wind said...

Eu fiquei logo presa pela foto e pela frase que a acompanha. Depois li a maravilha do poema. Beijos*****

9:02 da manhã  
Blogger SL said...

Gostei muito da Carta do Nuno Judíce. Passei para deixar um jinho.

10:15 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Sem dúvida, T. possui a arte rara de casar texto e imagem!
Manoel de Barros - estarei mais atento.
A.C.S.

11:07 da manhã  
Blogger hfm said...

Gosto tanto, mas tanto, de Manoel de Barros!
Espero que a saúde esteja melhor.
Abraço

11:38 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Pst! Espera, também quero ir tocar o arco-íris. ;-)

12:07 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Uau! Sem letrinhas! Viva! Olha eu feliz. ;)

Amiga, acredita que sonhei com esse seu arco-íris? Igualzinho. Um instante de sonho: aparecia e sumia.

Gosto muito de Manoel de Barros, também.

Beijo grande.

12:11 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Gostei muito de ler este texto, está deslumbrante!
Parece que cada pessoa tem uma costela de poeta, deve ser da nossa herança culturistica, um meio de refúgio quando algo não nos corre bem, ou pura e simplesmente sentimo-nos realizados ao escrever determinada coisa ;)

Bjs para ti T e que estejas bem melhor da gripe que te assolou :)

P.S-» Recebeste o meu mail?

12:58 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Impossível, ontem, escrever aqui, mesmo sem as «letrinhas».
JP-

10:50 da manhã  

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