CARTA DE OUTONO
    Pensarás que não te escrevi antes porque o verão
    consome a energia da alma com um apetite solar; e
    porque as tempestades do crepúsculo incendiaram as
    palavras com o rápido fogo aéreo. No entanto, eu
    ouço aquelas aves que gastaram as asas na travessia
    do Espírito, cujos olhos viram o que havia de duvidoso
    nas traseiras do invisível, onde um deus culpado
    se esconde e se ouvem as vozes sem nexo dos
    anjos enlouquecidos. Essas aves deixaram de saber voar;
    agarram-se aos ramos dos arbustos e, ao fim da tarde,
    gritam em direcção às nuvens com os olhos secos e
    sem medo. Abri-lhes o peito: e encontrei as entranhas
    verdes como as folhas perenes do norte. Então,
    ouço-te bater por dentro de mim, embora estejas morto;
    e os teus dedos tenham perdido a força antiga que
    desafiava a sombra. Procuro uma entrada no átrio
    desabrigado da página; avanço entre sílabas e versos
    perdendo-me do silêncio na insistência dos passos.
    O passado é todo o dia de ontem; a vida coube-me
    neste bolso do infinito onde guardei os últimos cigarros;
    o teu amor gastou-se com um breve brilho de
    isqueiro. Saio sem desejo dos desertos de outubro
    e novembro, arrastando o outono com os pés, nas planícies
    provisórias de um esquecimento de estações.
    Nuno Júdice, in Poemas em Voz Alta
    Poemas ditos por Natália Luiza
-Esteve:
Voz: Natália Luiza-
18 Comments:
Lindo poema, com bela foto. A sensibilidade toda a fluir:) beijos*****
lindo - triste - bj cpfeio
Gosto muito desta voz e não a esqueço a ler Fernando Pessoa.
Também passo despercebido. Mas nem por isso menos atento, observador, vendo como um danado...
Quanta beleza!
Quanta tristeza!
Bjos. JP-
"Saio sem desejo dos desertos de outubro
e novembro, arrastando o outono com os pés, nas planícies provisórias de um esquecimento de estações." BELÍSSIMO! Todo o poema, mas este ultimo pedaço caiu-me no goto de um modo especial.
despedidas de outono. dolentes e belas. beijos
ADOREI! Imagens belíssimas, algumas fortes... um pouco triste, mas é exatamente tudo na medida certa. Lindão isso. Beijão.
"...Essas aves deixaram de saber voar;"
... nada mais triste quando queremos ter asas e não podemos voar...
De uma beleza Outonal... Adorei!
Um abraço terno e bom fim de semana :)
Imagem e poema lindos...
Grata pela partilha.
Um abraço terno e bom fim de semana :)
Angústia do criador; angústia do Amor, angústia de outono existencial.
Ou de como a 'diseuse' influenciou a minha interpretação. Em sábado à tarde, enriquecedora foi esta dupla proposta. Agradecido.
Já bem de saúde?
Beijo. A.C.S.
Belíssima carta de outono... Repleta de magia e sentimento...
Bom f.d.s. =)
bjnhs *****
O bom gosto continua. Uma bonita imagem de Outono para um belo poema outonal e a bonita voz da Natália Luisa juntam-se e conseguem mais uma maravilha.
Beijos.
Amiga,os problemas com os comentários continuam - a nossa Márcia diz que se devem às letrinhas de segurança do blogger. Farei teste, retirando as tais letrinhas.
Até lá, aqui fica o seu texto. Beijão para aí.
Oi amiga! Estou tentanto postar este comentário nos seu blog e não consigo. Vai por aqui mesmo! rs...
A única vantagem de ficar longe tanto tempo é que na volta há muito para se ler! E aqui, há abundância de azul e beleza.
Amiga, obrigada pelo carinho, pela presença e pelas palavras sempre animadoras, viu? Te gosto muito.
Beijo grande
Ela *diz* realmente bem... o poema desencantado.
Um beijo, T, um bom domingo
Maravilhoso. Especialmente a última fala, que fica ecoando...
Quanto à voz, adoro o sotaque português.
Abraços.
Bonita voz que declama o não menos bonito poema. Excelente. Beijinhos.
"ouço-te bater por dentro de mim, embora estejas morto;
"a vida coube-me
neste bolso do infinito
"o teu amor gastou-se com um breve brilho de isqueiro "
"Saio sem desejo dos desertos de outubro
e novembro, arrastando o outono com os pés, nas planícies
provisórias de um esquecimento de estações."
Fabulosos versos!
Infinitamente melhor seja 2006!
Que a chama, emergente, cresça,cresça cresça e, iluminante, nos consuma.
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