DEUS NÃO VIVE AQUI
Bogdan H.
Deus não vive aqui,
não nos contempla pelos vitrais das suas
naves incendiadas.
É meio-dia neste país de lágrimas.
O sol está parado nas doze lanças de
luz insuportável.
É meio-dia sobre o rio amargo,
cujas barcas dormem na brancura terrível
desta hora.
Quem arrancou os crisântemos que
morrem na casa abandonada?
Dói este silêncio, esta ausência, este
relógio de pêndulo com passos de fantasma.
Estas paredes estão geladas.
No quarto ao lado,
alguém suspira,
mas o quarto está vazio, desde que tu
partiste,
meu pai das ilhas assombradas.
Por isso dizemos, em voz baixa,
em surdina,
dizemos que amámos,
num dia de feroz claridade,
num cais de estacas febris,
as têmporas que explodiam,
todas as veias queimadas pela neve das
estepes sem fim.
Por isso,
deixa para sempre os desertos desta vida, e
desce,
meu irmão das estrelas,
desce as margens do rio amargo, e
ouve,
ouve aquele que murmura nos quartos vazios,
ouve a oração dos malditos,
dos aflitos,
ouve o rumor das giestas nos campos do
desamparo,
as pás que escavam os alicerces,
o machado de impiedosa pedra que brilha
sobre o gelo do Árctico,
meu irmão dos barcos naufragados,
procura-me onde o meu corpo já não está,
nem o meu nome,
aqui,
nesta casa abandonada.
José Agostinho Baptista, Esta Voz É Quase O Vento
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