vai tão pequena a teia, que lamento



Gespinst
Klaus Ender


… sola est non territa virgo,
sed tamen erubuit


Ovídio, Metamorfoses, VI: 45-6



Vai tão pequena a teia, que lamento
ter perdido o meu tempo em outros jogos,
pois com talento e tempo poderia
abandonar a fria geometria
e desenhar figuras, tão reais
que nelas revelasse
a verdade maior da fantasia.
Um cisne, por exemplo, feito signo
do amor incendiário que conduz
deuses à terra, procurando gente;
uma nuvem ali, de onde cai chuva
ou luz, mas que simula
pedacinhos de sol, moedas de ouro;
cavalos, aves, gado, e um golfinho;
por baixo, em singular moldura,
o tortuoso corpo da serpente.
Mas, pequeno que sou, receio a inveja
da sociedade, ou de um poder mais alto,
que em mim veja rival ou parasita
e me transforme em bicho repelente;
preferias alguém menos ligeiro,
carne menos subtil, pele rosada,
forma de gente, não de bicho abjecto.
Sozinho agora, e solto, enquanto acaba
mãe-sol de riscar linhas no horizonte,
lamento que não saibas que se esconde
uma princesa em cada feia aranha,
mais bela e cintilante do que a lua;
depois recolho ao centro do meu verso
com esta reflexão modesta e triste:
de tudo quanto viste e mal ouviste,
em mim, do que mais gostas é da baba.


António Franco Alexandre, ARACNE