Teia




Se da baba o insecto faz a teia,
se com choro porém não sei prender-te,
do céu, que era de cinza, direi verde,
e da terra e das lágrimas areia.

E da forma direi que foi ideia,
para que à noite o corpo não desperte.
Do perdido direi que não se perde
se ao menos nestes versos se encadeia.

Do cabelo, se louro, direi preto;
do amor que sofri direi soneto,
ante a luz tão corpórea que o invade…

Nas redes da ficção ficarás presa
e acordarás, mais tarde, na surpresa
de ser outra por toda a eternidade.

David Mourão-Ferreira, Infinito Pessoal



[Ed è il pensiero
della morte che, in fine, aiuta a vivere.
Umberto Saba]