Outono




Uma lâmina de ar
atravessando as portas. Um arco,
uma flecha cravada no outono. E a canção
que fala das pessoas. Do rosto e dos lábios das pessoas.
E um velho marinheiro grave, rangendo o cachimbo como
uma amarra. À espera do mar. Esperando o silêncio.
É Outono. Uma mulher de botas atravessa-me a tristeza
quando saio para a rua, molhado, como um pássaro.
Vêm de muito longe as minhas palavras, quem sabe se
da minha revolta última. Ou do teu nome que repito.
Hoje há soldados eléctricos. Uma parede
cumprimenta o sol. Procura-se viver.
Vive-se, de resto, em todas as ruas, nos bares e nos cinemas.
Há homens e mulheres que compram o jornal e amam-se
como se, de repente, não houvesse mais nada senão
a imperiosa ordem de (se) amarem.
Há em mim uma ternura desmedida pelas palavras.
Não há um nome para a tua ausência. Há um muro
que os meus olhos derrubam. Um estranho vinho
que a minha boca recusa. É Outono.
A pouco e pouco despem-se as palavras.

Joaquim Pessoa, 125 Poemasantologia poética