AS SEM-RAZÕES DO AMOR



abandon
Camille Claudel



Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.


Carlos Drummond de Andrade



- Esteve:
de Amor-Poesia,

Carlos Drummond de Andrade
por Scarlet Moon - Pode-se ouvir em http://tecum.multiply.com






Outubro de 2005



- Esteve:

Christoph Willibald Gluck
Dance of the Blessed Spirits
de Orfeo ed Euridice
Karlheinz Zoeller, flauta
Herbert von Karajan
Berliner Philharmoniker

Pode ouvir em http://tecum.multiply.com -








X - B



Outubro de 2005




Nesta Cidade-Mundo
quem poderá entoar
um cântico de júbilo?

O real
      O manto da invenção
            Árvores de lágrimas
                  Florestas de papel
                        Impotência tudo

Um desvalor
enche o nosso coração


Ana Hatherly, Rilkeana







Saí do comboio



de Outubro de 2005




Saí do comboio,
Disse adeus ao companheiro de viagem,
Tínhamos estado dezoito horas juntos.
A conversa agradável,
A fraternidade da viagem,
Tive pena de sair do comboio, de o deixar.
Amigo casual cujo nome nunca soube.
Meus olhos, senti-os, marejaram-se de lágrimas...
Toda despedida é uma morte...
Sim, toda despedida é uma morte.
Nós, o comboio a que chamamos a vida
Somos todos casuais uns para os outros,
E temos todos pena quando por fim desembarcamos.

Tudo que é humano me comove, porque sou homem.
Tudo me comove, porque tenho,
Não uma semelhança com ideias ou doutrinas,
Mas a vasta fraternidade com a humanidade verdadeira.

A criada que saiu com pena
A chorar de saudade
Da casa onde a não tratavam muito bem...

Tudo isso é no meu coração a morte e a tristeza do mundo.
Tudo isso vive, porque morre, dentro do meu coração.

E o meu coração é um pouco maior que o universo inteiro.


Álvaro de Campos







Com o espírito da casa



Outubro de 2005




Acabei hoje o sabonete cujo uso iniciaste aquando
o teu último banho cá em casa. Ficaram coisas que
te pertencem e que não sei se deva guardar,
a saber: um candeeiro, um desenho, uma fotografia.
Outras coisas ficaram
alguns discos e já não sei que livro. Não ferem
tanto. Há ainda a memória da pele, o amarelo dos
olhos e algumas expressões do teu português falado.
Mas estas últimas coisas já se confundem com o
espírito da casa, quero dizer-te com a poeira da
casa.


João Miguel Fernandes Jorge,
A Jornada de Cristóvão de Távora. Primeira Parte






Ao desconcerto do mundo



outubro de 2005



Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só para mim,
Anda o Mundo concertado.


Luís de Camões







Soneto



maio de 2005




Esperança e desespero de alimento
Me servem neste dia em que te espero
E já não sei se quero ou se não quero
Tão longe de razões é meu tormento

Mas como usar amor de entendimento?
Daquilo que te peço desespero
Ainda que mo dês – pois o que eu quero
Ninguém o dá senão por um momento.

Mas como é belo, amor, de não durares,
De ser tão breve e fundo o teu engano,
E de eu te possuir sem tu te dares.

Amor perfeito dado a um ser humano:
Também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano.


Sophia de Mello Breyner Andresen, Coral







Estrofa al vent



Gaspar Sabater
Gaspar Sabater




Jo escric al vent aqueixa estrofa alada

per a què el vent la porti cel enllà

jo vull seguir-la amb ma candent mirada,

plorós de no poder-la acompanyar.

Entre els hiverns, quan vibri la ventada,

el meu vers per l'espai ressonarà,

i sobre els homes sa brunzent tonada

durà el so d'un incògnit oceà.

I cantarà en la lira de les branques

i de la lluna en les crineres blanques

o en l'arquet de silenci de la nit.

I eternament la maternal Natura

l'espargirà per la infinita altura

quan el meu nom, obscur, serà extingit.


Gabriel Alomar


  • G., gratíssima.
  • Abraço -:)








Como nuvens pelo céu



outubro de 2005




Como nuvens pelo céu
Passam os sonhos por mim.
Nenhum dos sonhos é meu
Embora eu os sonhe assim.

São coisas no alto que são
Enquanto a vista as conhece,
Depois são sombras que vão
Pelo campo que arrefece.

Símbolos? Sonhos? Quem torna
Meu coração ao que foi?
Que dor de mim me transtorna?
Que coisa inútil me dói?


Fernando Pessoa, Poemas dispersos







De repente, ...



outubro de 2005







words



Outubro de 2005



Be careful of words,
even the miraculous ones.
For the miraculous we do our best,
sometimes they swarm like insects
and leave not a sting but a kiss.
They can be as good as fingers.
They can be as trusty as the rock
you stick your bottom on.
But they can be both daisies and bruises.
Yet I am in love with words.
They are doves falling out of the ceiling.
They are six holy oranges sitting in my lap.
They are the trees, the legs of summer,
and the sun, its passionate face.
Yet often they fail me.
I have so much I want to say,
so many stories, images, proverbs, etc.
But the words aren't good enough,
the wrong ones kiss me.
Sometimes I fly like an eagle
but with the wings of a wren.
But I try to take care
and be gentle to them.
Words and eggs must be handled with care.
Once broken they are impossible
things to repair.


Anne Sexton







OUTONO



16-10-2005




Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há tanta fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.


Miguel Torga, Diário X







Por gentileza,


                             de Amélia Pais,

tomei conhecimento da Carta Aberta aos Professores Portugueses

que pode ser lida, na íntegra, em
Nocturno com Gatos

e discutida em Educare.


«Professores , pais e população em geral deveriam lê-la. E divulgá-la na medida das suas possibilidades...já que os jornais parecem estar surdos face ao problema. Fica a sugestão. Com professores desmotivados, tristes e mal - tratados e feridos na sua dignidade, não haverá, certamente, melhoria do ensino e das gerações em que, apesar de tudo, repousam algumas das nossa esperanças neste tempo de «austera, apagada e vil tristeza»
In ao longe os barcos de flores








Celebración del viento y de los árboles



Outubro de 2005




Si el espacio llorase,
como pretende la nube,
el viento sería una historia de lágrimas.

En el polvo toco
los dedos del viento.
En el viento leo
la escritura del polvo.

El camino no puede avanzar de verdad
más que a través de un viento dialogante
con su propio polvo.

El viento posa la mano derecha
en el hombro de la rosa
y se mete la izquierda en el bolsillo.
Viento: ladrón de perfume.

El viento es el dialecto
en la naturaleza.
La luz es la lengua culta.

El aire:
único amante
con quien baila la rama
mientras se dispone a acostarse
con otro amante.

Vientos: cuerpos que caminan
con pies invisibles
como de ángeles.

Viento: palabra confusa que murmura
el silencio cósmico.

El viento enseña silencio
aunque no cese de hablar.

Hoy,
triste por el aire enfermo,
la adelfa no ha bailado.

Al árbol le gusta entonar canciones
que el viento no recuerda.

Viento: puerto único,
movimiento perpetuo
hacia lo desconocido.


Adonis (Ali Ahmad Said),
Traducción del árabe por María Luisa Prieto
Harold Pinter merece!
Desconheço versão portuguesa
deste poema de Ali Ahmad Said.
Procurarei.
Grata pelo envio.
Abraço. :-)








Exactamente como foi, ...



Helena Almeida - dentro de mim
daqui




Exactamente como foi, o medo de me enganar
mais tarde na memória - é tudo o que me resta: estar
de noite às escuras a pensar em ti

E se me lembro mal, se troco as vezes, naquela
quinta-feira o dia do amor em vez de ser
na quarta, o erro surge-me gigante,
um peso carregado como Atlas

Por isso é que preciso de lembrar coisas
exactas, como aconteceu tudo; não só
transpor depois na ficção recolhida, sou eu
que te preciso e dos teus dias
que me foram meus

Lembrar-me exactamente como foi, o que usei
nesse dia e o que usei no outro, até que horas
tudo, se havia gente ou não
e em que dia. Porque as palavras depois se
reconstroem

O que se disse então torna-se fácil.
Assim dito parece coisa pouca,
lugar comum e
fácil, mas as noites são grandes

e lembrar-se
exactamente,
de uma forma correcta

é-me tão importante
dentro das noites a pensar em ti
sabendo: não te vejo nunca mais


Ana Luísa Amaral







Um dia vais pla rua como quem



Outubro de 2005




Um dia vais pla rua como quem
já não deseja nada deste mundo:
olhas pró céu, reparas no inferno
e todas as pessoas são iguais,
inocentes obstáculos povoando
a memória indelével. Continuas,
atravessas o parque e de repente
encontras o regresso já perdido
no dia do juízo. Fica aqui,
coisa inútil que alguém deixou arder,
resto de prata acesa em mil estilhaços
e espera pelo último semáforo,
pla última canção perto da noite
até que o vento seja o teu destino.


Fernando Pinto do Amaral, Pena Suspensa







Aquela noite de beijos e carícias indecisas...



Adam e Eva
Chagall



Aquela noite de beijos e carícias indecisas...
Amaste-me talvez nesses momentos - só nesses momentos...
Aquele recanto de aldeia esquecido no meio da cidade,
a noite perfeita,
a paz imensa daquela hora breve
- essa indizível magia de certas noites imensas...
Sim, amaste-me talvez nesses breves momentos
Em que fomos apenas a Mulher e o Homem
- tu, liberta da tortura de analisar sem fim
os teus sentimentos por este e por aquele;
eu, capaz por uma vez de não pensar os meus gestos
e tendo apenas a voz do mais obscuro instinto.
A natureza em volta aniquilava as nossas biografias,
e não havia senão a extática presença da terra e dos astros,
e perdidos nela, nós, tão pobres, tão abandonados,
purificados de toda a nossa miséria,
tão Eva e Adão antes da maçã comida,
nós, vivos em nossa carne bem humana,
tecendo nas linhas embriagadas das nossas carícias
o véu que nos escondia a memória dos outros.
Que importam as palavras que dissemos,
as juras que fizemos!
Que nesse momento, em cada um de nós,
as palavras do outro eram já sabidas antes de ser ditas,
e o tumulto dos nossos corpos,
e o tumulto das nossas almas,
e a maré viva da nossa perfeita comunhão,
e o espraiar-se da nossa ternura sobre o mundo,
eram a única Palavra que valia!


Adolfo Casais Monteiro
In 366 poemas que falam de amor
uma antologia organizada por
Vasco Graça Moura







REFERÊNCIA



Kate liu
kate Liu



Quantas vezes te digo
quantas vezes…
que és para mim
o meu homem amado?

O que chega primeiro
e só parte por vezes
antes de eu perceber
que já tinhas voltado

Quantas vezes te digo
quantas vezes…
que és para mim
o meu homem amado?

Aquele que me beija
e me possui
me toma e me deixa
ficando a meu lado

Quantas vezes te digo
quantas vezes…
que és para mim
o meu homem amado?

Que sempre me enlouquece
e só aí percebo
como estava perdida
sem te ter encontrado


Maria Teresa Horta







Já nasceste a saber o que eu não sei



breakthrough- pure fractal flame
Cory Ench



Já nasceste a saber o que eu não sei,
o que o lume na água mais procura;
se me dás de beber vou ter a sede
incessante da fonte mais impura.
Cada noite te peço que imagines
uma outra fina, elementar tortura,
como essa, de nunca mais arder
o corpo que no corpo se insinua.
Por cada gesto teu, leio almanaques
de vãs filosofias, para ter
a réplica prevista à sua altura;
por cada lábio, sou mais sábio que
toda a corte celeste talmudista;
e ainda não sei o que ao nascer sabias.


António Franco Alexandre, Duende







por decreto



7 de Outubro de 2005




tão mais inúteis quanto mais se sucedem
ensolaradas e mudas são as manhãs
de domingo
: eu finjo que não te espero
finges tu não nos saber

e a vida segue.
a olhos vistos se adelgaça perde o viço
empalidece
sem que haja em toda a medicina uma única
maneira - poção ventosa ou vacina -
que a possa socorrer

exceto talvez abolir - por decreto - de uma
vez por todas todas elas
: as mudas e claras e azuis e inúteis
manhãs de domingo.


Márcia Maia




Amiga, prepare o meu belo autógrafo!
Lá estarei, às 19 h, do dia 14.
Desejosa de ter na mão o seu novo livro
- em queda livre -
Beijo
:-)








Os trabalhos da mão



7 de Outubro de 2005




Começo a dar-me conta: a mão
que escreve os versos
envelheceu. Deixou de amar as areias
das dunas, as tardes de chuva
miúda, o orvalho matinal
dos cardos. Prefere agora as sílabas
da sua aflição.
Sempre trabalhou mais que sua irmã,
um pouco mimada, um pouco
preguiçosa, mais bonita.
A si coube sempre
a tarefa mais dura: semear, colher,
coser, esfregar. Mas também
acariciar, é certo. A exigência,
o rigor, acabaram por fatigá-la.
O fim não pode tardar: oxalá
tenha em conta a sua nobreza.


Eugénio de Andrade, Ofício de Paciência







Les feuilles mortes



6 de Outubro de 2005




Oh! je voudrais tant que tu te souviennes
Des jours heureux où nous étions amis
En ce temps-là la vie était plus belle,
Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui
Les feuilles mortes se ramassent à la pelle
Tu vois, je n'ai pas oublié...
Les feuilles mortes se ramassent à la pelle,
Les souvenirs et les regrets aussi
Et le vent du nord les emporte
Dans la nuit froide de l'oubli.
Tu vois, je n'ai pas oublié
La chanson que tu me chantais.

Refrain:

C'est une chanson qui nous ressemble
Toi, tu m'aimais et je t'aimais
Et nous vivions tous deux ensemble
Toi qui m'aimais, moi qui t'aimais
Mais la vie sépare ceux qui s'aiment
Tout doucement, sans faire de bruit
Et la mer efface sur le sable
Les pas des amants désunis.

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle,
Les souvenirs et les regrets aussi
Mais mon amour silencieux et fidèle
Sourit toujours et remercie la vie
Je t'aimais tant, tu étais si jolie,
Comment veux-tu que je t'oublie?
En ce temps-là, la vie était plus belle
Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui
Tu étais ma plus douce amie
Mais je n'ai que faire des regrets
Et la chanson que tu chantais
Toujours, toujours je l'entendrai!


Paroles: Jacques Prévert
Musique: Kosma







A UMA OLIVEIRA



5 de Outubro de 2005



Muito antes de Os Lusíadas diz-se que já aqui estavas.

Pré-camoniana,
sazão a sazão,
foste varejada séculos a fio.

O pinho viajou.
Tu ficaste.

Ao som bárbaro de um rádio de pilhas,
desdobram toalhas
na tua sombra rala.


Alexandre O'Neill, Poesias Completas







LA ORILLA DEL MAR



3 de Outubro de 2005




No es agua ni arena la orilla del mar.

El agua sonora de espuma sencilla,
el agua no puede formarse la orilla.

Y porque descanse en muelle lugar,
no es agua ni arena la orilla del mar.

Las cosas discretas, amables, sencillas;
las cosas se juntan como las orillas.

Lo mismo los labios, si quieren besar.
No es agua ni arena la orilla del mar.

Yo sólo me miro por cosa de muerto;
solo, desolado, como en un desierto.

A mí venga el lloro, pues debo penar.
No es agua ni arena la orilla del mar.


José Gorostiza






AO SOL



3 de Outubro de 2005




(Oração de tradição oral)


Eu te saúdo sol. Sol das estações,
Na tua viagem pelos altos céus.
Rasto indelével no cimo dos montes,
Senhor amável de todas as estrelas.

Mergulhas sereno nas trevas do mar,
E nada te toca e nada tu sofres.
Depois te alevantas da calma das ondas,
Como jovem príncipe coroado de rosas.


Cultura Celta (gaélico escocês)
Trad.: José Domingos Morais
In Rosa do Mundo - 2001 poemas para o Futuro







OLHAR



Tränen
Tux




Olhei quase sempre para o chão.
E aquela estrela que parava no sul, descia de
repente e caía aos nossos pés.
Recolhi-a,
ano após ano,
e com o resto da sua luz quis iluminar o
teu caminho.
Mas tu não viste as suas lágrimas que eram
as minhas,
apagando a última, sobre o chão.


José Agostinho Baptista, Biografia







Estamos agora em paz



Sous Zero
Tapiès




Estamos agora em paz
sabendo simular o esquecimento

sentados

com os olhos no vento
lá de fora atirado para antes
de nós as mãos caídas
nos joelhos mas nada suplicantes
só esvaídas

conformados
com não nos conformarmos

resignados
a esperando não esperarmos

como se tudo fosse um imenso tanto faz


Mário Dionísio, Terceira Idade







IMIGRAÇÃO



Julho de 2005