Hoje






no Castelo de São Jorge,

vendo o pôr do sol,

pensando no Sudoeste Asiático.


AMI :

- BES - NIB: 000700150040000000672

Médicos do Mundo:

- BPI - NIB: 001000009444999000170
- CGD - NIB: 003505510000772213032








2004 vai ficando para trás...


a todos, desejo

2005 em plenitude








XVII



Mosteiro dos Jerónimos




Estilo manuelino:
Não a nave romântica onde a regra
Da semente sobe da terra
Nem o fuste de espiga
Da coluna grega
Mas a flor dos acasos que a errância
Em sua deriva agrega


Sophia de Mello Breyner Andresen, Cem Poemas de Sophia








em fundo




CALLAS - life & art
Massenet -
Werther! Qui m'aurait dit
CD2 - the romantic heroine




CHARLOTTE
Werther! Werther!... Qui m'aurait dit
la place que dans mon coeur
il occupe aujourd'hui?
Depuis qu'il est parti, malgré moi,
tout me lasse!
Et mon âme est pleine de lui!...
Ces lettres!
Ah! je les relis sans cesse...
Avec quel charme, mais aussi quelle tristesse!
Je devrais les détruire... je ne puis!
(lisant)
"Je vous écris
de ma petite chambre;
un ciel gris
et lourd de décembre
pèse sur moi, comme un linceul...
et je suis seul! seul! toujours seul!..."
Ah! personne près de lui!
Pas un seul témoignage
de tendresse ou même de pitié!
Dieu! comment m'est venu ce triste courage

d'ordonner cet exil et cet isolement?
(ouvrant une autre lettre)
"Des cris joyeux d'enfants montent
sous ma fenêtre,
et je pense à ce temps si doux
où tous vos chers petits jouaient
autour de nous!
Ils m'oublieront peut-être!"
Non, Werther, dans leur souvenir
votre image reste vivante,
et quand vous reviendrez...
mais doit-il revenir?...
Ah! ce dernier billet me glace
et m'épouvante:
"Tu m'as dit: A Noël!
Et j'ai crié: jamais!
On va bientôt connaître
qui de nous disait vrai!
Mais si je ne dois reparaître,
au jour fixé, devant toi,
ne m'accuse pas, pleure-moi!
Oui, de ces yeux si pleins de charmes,
ces lignes, tu les reliras,
tu les mouilleras de tes larmes...
Ô Charlotte, et tu frémiras!"

(Edouard Blau, Paul Milliet & Georges Hartmann)



Werther - sinopse








Estranho é o sono que não te devolve.



Georgia O'Keeffe, Abstraction IV



Estranho é o sono que não te devolve.
Como é estrangeiro o sossego
De quem não espera recado.
Essa sombra como é a alma
De quem já só por dentro se ilumina
E surpreende
E por fora é
Apenas peso de ser tarde. Como é
Amargo não poder guardar-te
Em chão mais próximo do coração.


Daniel Faria, Poesia








prenda de Natal para Tecum*




ternura

Todas as paisagens nos teus olhos
me parecem nuvens

cobrindo horizontes de certas cores
que só existem dentro do silêncio.


Sandra Costa



* dois beijos para tempo dual







As nuvens são sombrias





As nuvens são sombrias
Mas, nos lados do sul,
Um bocado do céu
É tristemente azul.

Assim, no pensamento,
Sem haver solução,
Há um bocado que lembra
Que existe o coração.

E esse bocado é que é
A verdade que está
A ser beleza eterna
Para além do que há.


Fernando Pessoa, Poemas Dispersos







Doce Presente de Natal *



ternura


o brilho do meu olhar
quando

(sem que te
apercebas)

em ti
repouso meus olhos.


Márcia Maia


* beijo, amiga






BOAS FESTAS





beijo meu









LADAINHA DOS PÓSTUMOS NATAIS



Presépio de Machado de Castro


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito


David Mourão Ferreira
Um Monumento de Palavras - CD







LA RELÍQUIA




Faune mutilat,

brollador eixut,

jardí desolat

de ma joventut...

Beneïda l'hora

que m'ha duit aquí.

La font que no vessa, la font que no plora

me fa plorar a mi.

Sembla que era ahir

que dins el misteri de l'ombra florida,

tombats a la molsa,

passàvem les hores millors de la vida.

De l'aigua sentíem la música dolça;

dintre la piscina guaitàvem els peixos,

collíem poncelles, caçàvem bestioles,

i ens féiem esqueixos

muntant a la branca de les atzeroles.

Ningú sap com era

que entre l'esponera

de l'hort senyorívol,

fent-lo més ombrívol,

creixia la rama d'antiga olivera.

Arbre centenari,

amorós pontava la soca torçuda,

perquè sense ajuda

poguéssim pujar-hi.

Al forc de la branca senyora i majora

penjàvem la corda de l'engronsadora,

i, venta qui venta,

folgàvem i réiem fins que la vesprada

la llum esvaïa de l'hora roenta,

de l'hora encantada.

Somni semblaria

el temps que ha volat

de la vida mia,

sense les ferides que al cor ha deixat;

sense les ferides que es tornen a obrir

quan veig que no vessa

ni canta ni plora la font del jardí.

Trenta anys de ma vida volaren depressa,

i encara no manca,

penjat a la branca,

un tros de la corda de l'engronsadora,

com trista penyora,

despulla podrida d'un món esbucat...

Faune mutilat,

brollador eixut,

jardí desolat

de ma joventut.


Joan Alcover, Cap al tard, 1910




Agradeço fotografia e poema a http://gsabater.blogspot.com








Solstice d’hiver





Solstice d’hiver, solstice noir
Solstice d’espoir
Au creux de ton ombre
Dans ton silence
La lumière vient,
Reprend son souffle...

Solstice noir, solstice d’espoir
Solstice d’hiver
Dans le silence
et dans l’errance…
L’espérance…


Michèle Roberge,
Tant d’hiver au cœur du changement:
essai sur la nature des transitions







AO APROXIMAR-SE O INVERNO






Esta é a mulher que eu sou,
sozinha ao aproximar-se o inverno,
começando a compreender o outono,
o lamento do céu
e as fracas mãos de cimento.

O tempo passou,
o tempo passou.
São quatro da tarde
e o trimestre do inverno
principia hoje.
Escuto às escondidas momentos, estações.
O salvador dorme no túmulo
enquanto a terra tranquilamente acena.

O tempo passou e o relógio deu as quatro horas.

O vento persegue a vereda,
persegue a vereda.
Eu penso em flores mutiplicando-se
e botões em hastes vestigiais,
nesta época cansada e tuberculosa.

Junto às árvores húmidas um homem vira-se.
Ramos de veias como cobras mortas
coagulam no seu pescoço e na sua têmpora
uma palavra palpita como sangue:
"Olá, olá!"
(penso em flores multiplicando-se.)

Ao aproximar-se o inverno há funerais
para espelhos e suas pálidas memórias.
A tarde pondera o seu silêncio.
Como se pode gritar alto
para alguém assim
(virando-se lentamente, sem objectivo),
alguém que nunca viveu,
alguém que não vive?

O vento agita a rua
e os velhos corvos vivem sós,
voando em círculo sobre os antigos pomares.
A escada ousada é mesquinha, afinal.

Quem roubou a capacidade de acreditar
nos castelos dos contos de fadas?
O que poderá levantar agora alguém
para dançar ou deixar cair o cabelo infantil
nas correntes? Quem pisa a maçã finalmente saboreada?

Caro amigo, que nuvens
descem para regozijo do sol?

Dos contornos verdes do pensamento,
ao contemplar o voo,
um dia um pássaro ergueu-se,
as folhas tremeram
no sopro decidido do vento.
Aquela luz violeta na janela
era apenas a imagem de uma candeia.

O vento escuta atentamente no beco
tal como fez no dia em que as tuas mãos morreram.
O dia traz consigo desolação.

Queridas estrelas de papel, quando as mentiras
fervilharem no céu, que conforto
haverá nos versos dos loucos profetas?
Encontrar-nos-emos como os mortos milenares.
O sol julgará a nossa putrescência.

Estou fria, fria,
e não mais sentirei
calor algum.
Ó bem-amado, os peixes
estão a mordiscar a minha carne
onde me tens cativa no fundo do oceano.
O tempo pesa tudo em redor.
Brincos de madrepérola
furam-me. Estou fria.
Eu sei que até os sonhos
de uma papoila selvagem redundam
nalgumas gotas de sangue.
Eu suspendo linhas e números
e de uma limitada geometria
fujo, gozando o vasto espaço.
Estou exposta, como as pausas
numa declaração de amor,
esse amor que me fez mal.

Eu construí este barco insular
debaixo de tempestades e krakatoas:
da mais ínfima partícula estilhaçada
pode nascer o sol.

Saúdo-te, noite inocente!
Os olhos dos lobos nómadas
transformas em cavidades
de fé e despida confiança.
Ao longo dos teus bancos os salgueiros
cheiram os gentis machados que se aproximam.
Eu abandonei este leito de serpente,
o mundo descomprometido
das palavras e dos sons
onde batem os pés das multidões
e as pessoas oferecem o seu beijo
enquanto atam o nó da tua forca.

Saúdo-te, noite inocente!

Mas por que não olhei eu?
Havia uma janela
e uma vista apartada.
Junto às árvores húmidas um homem virou-se,
a minha mãe tinha estado a chorar,
porém eu não vi nada.
Nessa noite tornei-me a noiva
das acácias quando o meu marido
regressou e ficou diante
do espelho e me chamou.
A noite estava azul
por causa dos azulejos de Isfahan.
A dor deu-me colo e eu concebi.
Ele ficou de pé puro e resplandecente
como um espelho mas subitamente
eu estava casada com os ramos das acácias.

A minha mãe tinha estado a chorar.

Pela janela nada chegou
e a felicidade inteira percebeu
que as tuas mãos morreriam.
Eu não vi nada
até as quatro horas terem sido dadas
pelo desgraçado cuco.
De olhos como o ninho vazio
do roc, aquela mulher chegou,
escoltando até ao enterro
a minha adolescência, encrustada na noite.

Quando levará o vento o meu cabelo?
Quando plantarei eu amores-perfeitos na fronteira
e gerânios na janela do céu?
Quando voltarei a dançar
no rebordo dos copos?
Quando conduzirá a campainha da porta
a uma voz iminente?

Eu disse à minha mãe que tudo terminara.
Eu disse: "Acontece mais cedo do que se pensa.
Temos de enviar condolências
para a página de necrologia."

E aí vem ele, o pateta presunçoso,
os seus dentes mastigando salmos,
o seu olhar devorando-te.
Junto às árvores húmidas ele vira-se
(lentamente, sem objectivo).
São quatro horas.
Ramos de veias como cobras mortas
coagulam no seu pescoço e na sua têmpora
uma palavra palpita como sangue:
"Olá, olá!"
(Alguma vez cheiraste
quatro lírios azuis assim?)

O tempo passou,
o tempo passou,
e a noite caiu sobre a acácia revelada,
recolhendo por trás das vidraças da janela
as últimas coisas do dia.
Onde estive eu,
o cheiro da noite ainda sobre mim,
o túmulo ainda fresco com terra
para aquelas mãos mortas...?

Tão gentil foste
na maneira como mentiste,
na maneira como fechaste
os olhos abertos do espelho.

Arrancaste os candelabros às hastes de arame
e levaste-me aos campos prazerosos
na escuridão cortante
onde um pequeno rasto de vapor,
debaixo das intermináveis rodopiantes estrelas
de papel, era tudo o que restava
da pressa de uma sede.

Quem traduziu a fala em som,
quem tornou a vista pública,
quem reclamou o cabelo acariciado?
Aqui está a alma -- olhai! --
de alguém que falou destas coisas,
alguém que lançou um olhar,
alguém pacificado por uma carícia.
Martirizada pelas farpas da ilusão,
ela carrega as marcas dos teus
cinco dedos na sua face.

Em que consiste o silêncio,
ó bem amado, senão no não dito?
A minha fala prolonga-se nos pardais
e no furor da natureza.
A primavera, diz ela, está aqui
com folhas e brisas perfumadas.
O chilreio morre nas fábricas.
Quem dá corda ao seu relógio habitual,
subtraindo e dividindo,
nos caminhos do céu?
Quem ignora o canto do galo
excepto enquanto seu sinal para o pequeno-almoço?
A coroa do amor está na sua testa
enquanto os trajes de casamento apodrecem por todo o lado.

Então o sol não iria conceder
o mesmo final feliz
a ambos os pólos desesperados.
O brilho dos azulejos abandonou-te,
mas eu pairo ainda com tal plenitude
que a minha voz é um telhado
no qual o povo realiza as suas orações.

Pessoas tão satisfeitas, mortas.
Mortas, e infelizes.
Caladas, inteligentes, mortas.
Bem vestidas, bem alimentadas.
Sociáveis, mortas.
Nas gares da estação, com luzes
que facilmente tremelicam, frutos
apodrecem em suas ansiosas mãos.
Tão preocupadas estão
com os perigos de um cruzamento,
porém é aqui, ao soar o apito de paragem,
que um homem deve ser esmagado
pelo abrandamento do trânsito.
Junto às árvores húmidas um homem vira-se...

Onde estive eu?

Eu disse à minha mãe que tudo terminara.
Eu disse: "Acontece mais cedo do que se pensa.
Temos de enviar condolências
para a página de necrologia."

E agora eu acolho uma nova
presença da solidão.
Eu rendo o meu quarto.
Por que são sempre as nuvens escuras
prenúncios de pureza,
os sofrimentos de uma vela
uma suspeita cujo derreter
é mais brilhante na ponta?

Confiemos, confiemos
nesta aproximação do inverno,
este murchar das árvores cheias de fruto,
foices deixadas de lado,
sementes encarceradas.
Olha como a neve cai...

Debaixo dessa neve
estão as tuas jovens mãos.
Mas no próximo ano a Primavera deitar-se-á
com o céu por baixo da janela,
e os verdes caules ramificar-se-ão, transportando a flor,
a partir do seu corpo, ó bem-amado.

Confiemos na aproximação do inverno...


Forugh Farrokzhad - Versão de Vasco Gato








Ad Animam Oblitam



Lisboa - do Miradouro da Senhora do Monte



Estamos em Lisboa face a face, neste lugar atlântico de
passagem.
Ouço na tua voz um recado de Alice:

amanhã, se puderes, veste-te de azul pálido e de branco,
põe no cabelo uma
fita prateada. Senta-te, como convém, no crescente da lua
e navega sobre as
águas de outro dia, cantam sereias.


Manuela Parreira da Silva, O Álbum de Vishnu








L'hymne à l'Amour



Toulouse-Lautrec, Baiser


Le ciel bleu sur nous peut s'effondrer
Et la terre peut bien s'écrouler
Peu m'importe si tu m'aimes
Je me fous du monde entier
Tant qu'l'amour inond'ra mes matins
Tant que mon corps frémira sous tes mains
Peu m'importe les problèmes
Mon amour puisque tu m'aimes

J'irais jusqu'au bout du monde
Je me ferais teindre en blonde
Si tu me le demandais
J'irais décrocher la lune
J'irais voler la fortune
Si tu me le demandais

Je renierais ma patrie
Je renierais mes amis
Si tu me le demandais
On peut bien rire de moi
Je ferais n'importe quoi
Si tu me le demandais

Si un jour la vie t'arrache à moi
Si tu meurs que tu sois loin de moi
Peu m'importe si tu m'aimes
Car moi je mourrais aussi
Nous aurons pour nous l'éternité
Dans le bleu de toute l'immensité
Dans le ciel plus de problèmes
Mon amour crois-tu qu'on s'aime
Dieu réunit ceux qui s'aiment


Paroles: Edith Piaf
Musique: Marguerite Monnot


Edith Piaf nasceu em 19 de Dezembro de 1915








Kyrie



Presépio no exterior do Convento de Mafra, Dez. 2004


Em nome dos que choram,
Dos que sofrem,
Dos que acendem na noite o facho da revolta
E que de noite morrem,
Com a esperança nos olhos e arames em volta.
Em nome dos que sonham com palavras
De amor e paz que nunca foram ditas,
Em nome dos que rezam em silêncio
E falam em silêncio
E estendem em silêncio as duas mãos aflitas.
Em nome dos que pedem em segredo
A esmola que os humilha e os destrói
E devoram as lágrimas e o medo
Quando a fome lhes dói.
Em nome dos que dormem ao relento
Numa cama de chuva com lençóis de vento
O sono da miséria, terrível e profundo.
Em nome dos teus filhos que esqueceste,
Filho de Deus que nunca mais nasceste,
Volta outra vez ao mundo!


José Carlos Ary dos Santos, 20 Anos de Poesia




Presépio no exterior do Convento de Mafra, Dez. 2004



F., dilectissimus amicus,
pelas fotografias
meu beijo
grato






em fundo

Andy Warhol, Beethoven


Beethoven, Symphonie nr.9
Anna Tomowa-Sintow . Agnes Baltsa
Peter Schreier . José Van dam
Wiener Singverein
Berliner Philharmoniker - Herbert von Karajan





ODE AN DIE FREUNDE

O Freunde, nicht diese Töne!
Sondern lasst uns angenehmere anstimmen
und freundenvollere!

Freunde, schöner Götterfunken
Tochter aus Elysium
wir betreten feuertrunken
Himmlische, dein Heiligtum!
Deiner Zauber binden wieder,
Was die Mode streng geteilt;
Alle Menschen werdwn Brüder,
Wo dein sanfter Flügel weilt.

Wem der grosse Wurf gelungen,
Eines Freundes Freund zu sein,
Wer ein holdes Weib errungen
Mische seine Jubel ein!
Ja, wer auch nur eine Seele
Sein nennt auf dem Erdenrund!
und wer's nie gekonnt, der stehle
Weinend sich aus diesem Bund.

freunde trinken alle wesen
An den Brüsten der Natur;
Alle Guten, alle Bösen
Folgen ihrer Rosenspur.
Küsse gab sie uns und Reben
Einen Freund, geprüft im Tod;
Wollust ward dem Wurm gegeben,
Und der Cherub steht vor Gott!

Froh, wie seine Sonnen fliegen
Durch des Himmels prächt'gen Plan,
Laufet, Brüder, eure Bahn,
Freudig, wie ein Held zum Siegen

Seid umschlungen, Millionen.
Diesen Kuss der ganzen Welt!
Brüder! Überm Sternenzelt
Muss ein lieber Vater wohnen.
Ihr stürzt nieder, Millionen?
Ahnest du den Schöpfer, Welt?
Such'ihn überm Sternenzelt!
Über Sternen muss er wohnen.


Friedrich von Schiller


dia de aniversário de Beethoven,
(alguns consideram ser a 16)
a sua música em fundo,
um beijo meu

2005 com Alegria


a minha prendinha :-)






Campo de Flores





Deus me deu um amor no tempo de madureza,
quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
Deus-ou foi talvez o Diabo-deu-me este amor maduro,
e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
e outros acrescento aos que amor já criou.
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.

Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
e cansado de mim julgava que era o mundo
um vácuo atormentado, um sistema de erros.
Amanhecem de novo as antigas manhãs
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.

Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
imensa e contraída como letra no muro
e só hoje presente.
Deus me deu um amor porque o mereci.
De tantos que já tive ou tiveram em mim,
o sumo se espremeu para fazer vinho
ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.

E o tempo que levou uma rosa indecisa
a tirar sua cor dessas chamas extintas
era o tempo mais justo. Era tempo de terra.
Onde não há jardim, as flores nascem de um
secreto investimento em formas improváveis.

Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
para arrecadar as alfaias de muitos
amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,
e ao vê-los amorosos e transidos em torno,
o sagrado terror converto em jubilação.

Seu grão de angústia amor já me oferece
na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
e o mistério que além faz os seres preciosos
à visão extasiada.

Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
há que amar diferente. De uma grave paciência
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor doação.
Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto meus despojos
e estou vivo na luz que baixa e me confunde.


Carlos Drummond de Andrade, Claro Enigma







Destino



Garrett, desenho de Almada Negreiros



Quem disse à estrela o caminho
Que ela há-de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz à planta - "Floresce!" -
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?

Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
O seu mel há-de ir pedir?
Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem...
Ai! não mo disse ninguém.

Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela,
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.


Almeida Garrett, Folhas Caídas







L'Alliance



Foto daqui



Définitivement ils sont deux petits arbres
Seuls dans un champ léger
Ils ne se sépareront plus jamais.


Paul Eluard, Derniers poèmes d'amour







CALÇADA À PORTUGUESA



Lisboa, Parque das Nações
in CAIS, Círculo de Apelo à Integração dos Sem-abrigo
Nº 54 - Janeiro/Fevereiro de 2001



O mar sai das mãos destes calceteiros
que logo de manhã se ajoelham na rua
a bater
nos cubos de pedra
como se fossem pães de um tempo
inacabado.
Sisudos e pacientes limpam o corpo negro
do pó branco do trabalho
e avançam lentamente aos pés
de quem anda a correr pelos próprios meios
e mundos.
O mar não se devia perder
em minúcias citadinas de raças que tentam conviver
na sobrevivência.
Mas o suor é uma água nostálgica
que envolve a carne frágil
das mulheres
com seus carrinhos de compras
e as suas crianças de carrinho.

Água soberba e manchada de sexo.

Negro, negro sensual de mornas e coladeiras
não subas acima do passeio.
Não me invadas o corpo,
não me molhes as noites mal dormidas.

E o homem no chão afeiçoa
a pequena pedra
ao mar seco e saudoso da sua transumância,
às entranhas da terra que não é a sua.
Só o coração simples lhe pede
uma sede de água.

Ou de cerveja.


Armando Silva Carvalho, Lisboas








Amor é olhar total, que nunca pode






Amor é olhar total, que nunca pode
ser cantado nos poemas ou na música,
porque é tão-só próprio e bastante,
em si mesmo absoluto táctil,
que me cega, como a chuva cai
na minha cara, de faces nuas,
oferecidas sempre apenas à água.


Fiama Hasse Pais Brandão






em fundo


do Miradouro de Santa Luzia


The Choir of New College, Oxford
Edward Higginbottom


BARBER - Agnus Dei
FAURÉ - Cantique de Jean Racine
PALESTRINA - Kyrie (Missa Papae Marcelli)
MOZART - Ave Verum Corpus
BACH - Jesus bleibt meine Freunde
Rachmaninov - Ave Maria
ELGAR - Lux Aeterna
GÓRECKI - Totus Tuus
MENDELSSON - Hear my prayer
TAVERNER - The Lamb
FAURÉ - In paradisum (Requiem)
ALLEGRI - Miserere mei, Deus






Qui sait...



Tapiès


Qui sait, nous ne nous aimerions peut-être pas tant
Si nos âmes ne se voyaient pas de si loin.
Nous ne serions peut-être pas si près, qui sait
Si le destin ne nous avait séparés.


Nazin Hikmet, c'est un dur métier que l'exil







Elegia


A veces me dan ganas de llorar,
pero las suple el mar.

José Gorostiza,
de Canciones para cantar en las barcas




duas broas de erva doce,
sol, vento, mar,
uma portagem.







O Cacilheiro






Lá vai no Mar da Palha o Cacilheiro,
comboio de Lisboa sobre a água:
Cacilhas e Seixal, Montijo mais Barreiro.
Pouco Tejo, pouco Tejo e muita mágoa.

Na Ponte passam carros e turistas
iguais a todos que há no mundo inteiro,
mas, embora mais caras, a Ponte não tem vistas
como as dos peitoris do Cacilheiro.

Leva namorados, marujos,
soldados e trabalhadores,
e parte dum cais
que cheira a jornais,
morangos e flores.
Regressa contente,
levou muita gente
e nunca se cansa.
Parece um barquinho
lançado no Tejo
por uma criança.

Num carreirinho aberto pela espuma,
la vai o Cacilheiro, Tejo à solta,
e as ruas de Lisboa, sem ter pressa nenhuma,
tiraram um bilhete de ida e volta.

Alfama, Madragoa, Bairro Alto,
tu cá-tu lá num barco de brincar.
Metade de Lisboa à espera do asfalto,
e já meia saudade a navegar.

Leva namorados, marujos,
soldados e trabalhadores,
e parte dum cais
que cheira a jornais,
morangos e flores.
Regressa contente,
levou muita gente
e nunca se cansa.
Parece um barquinho
lançado no Tejo
por uma criança.

Se um dia o Cacilheiro for embora,
fica mais triste o coração da água,
e o povo de Lisboa dirá, como quem chora,
pouco Tejo, pouco Tejo e muita mágoa.



Letra: Ary dos Santos
Música: Paulo de Carvalho
Canta: Carlos do Carmo






oh! a primeira pegada






Oh! a primeira pegada
na areia molhada...

E um homem de pé
a olhar em redor
para o sonho do céu,
dos peixes e das ondas,
num querer arrancar-lhe
a dor da realidade.

Oh! a primeira pegada
na areia molhada...

E a sombra dum homem
a erguer-se dos seixos
com pés de deusa azul
para atravessar, sozinha,
as águas e as nuvens...
- e ir criar o mundo
com mãos de tempestade...


José Gomes Ferreira, Poesia II







WATER MUSIC. DE HÄNDEL



Jean-Jules Sahmson, La Musique, Georg Friedrich Händel


Sobre o rio descem
cordas e madeiras
a remos de metais.

É como sol nas águas, no arvoredo verde
que as águas reverdece de verdura e sombra.

Crepitam trompas e destilam flautas
na crespa ondulação que as proas tangem
e morre em margens de oboé e bombo,
cadenciando o choque das remadas de ouro.

A brisa flui
serena e fina
em cabeleiras
e em rendas que
ondulam
risonhas e solenes
sobre os bordados esparzidos, prata
que dança e salta enquanto
as barcas se meneiam
na transparência opaca de águas como céu
azul que a tarde por silêncios tece
em majestade eterna e momentânea
dos astros em seu curso.

Habitados só
por deuses e pastores
gerados na saudade
da simples harmonia
contrapontada na invenção da vida,
os planetas pisam
abstractas órbitas
à luz de um sol de que recebem foco.
E as barcas descem temporais o rio
de cujas águas são flutuante forma
da eternidade do destino ignoto.

Com pompas e sorrisos
os instrumentos tocam
virilmente lânguidos
a circunstância de uma festa aquática:
secreta e oculta uma melancolia
dessas grandezas que ordenadas flúem
a remos de metais no efémero perene
de que o eterno faz a sucessão de instantes.

Os últimos acordes como vénias passam.
O sol dardeja sobre as frondes. Tronos
dourados se dissolvem no reflexo de águas
que a música prolonga em gloriosas tardes.

E a glória se dilui de etéreas trompas
que as cordas acompanham sobre os rios
de música tão régia que a existência vive
o acto de pensar na ordem recriada.


Jorge de Sena, Arte de Música



Grata a Salmoura, ab imo corde







Somos como...



Takashi Imashiro, arbres dépouillés par l'hiver



Somos como árvores
só quando o desejo é morto
Só então nos lembramos
que dezembro traz em si a primavera
Só então, belos e despidos,
ficamos longamente à sua espera.


Eugénio de Andrade, As Mãos e os Frutos






em fundo


Ottorino Respighi, Italiana
from Ancient Airs and Dances for Lute (suite III)
Berliner Philharmoniker - Herbert von Karajan








Luís de Camões - Nuno Júdice


endechas a Bárbara escrava

Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que pera meus olhos
Fosse mais fermosa.

Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.

Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.

Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E. pois nela vivo,
É força que viva.

Luís de Camões, Rimas




Marie Benoist, Portrait



Camoniana

Quem és tu, bárbara, que moras
num poema que se estuda nas escolas
e se lê em recitais,
- tu que te limitaste a ser amada
por um poeta que, se calhar, mais
não te deu em troca do amor
do que esse poema que tu, se calhar,
nunca chegaste a ouvir? Quem és,
ó mulher mais real do que esse
poeta que te cantou, e de cuja vida
ninguém sabe nada - a não ser
que te amou, e te deitou nesse
poema em que ainda vives, e respiras
como no dia em que ele o escreveu
lembrando-se do teu corpo, e dos
teus lábios, e dos dias, ou noites,
que contigo se passaram? Quem és,
mulher real e sonhada que habitas
todos os poemas que esse poema
inspirou, e todos os sonhos que
nessa bárbara encontraram uma imagem
precisa e definitiva? volta-te
nesses versos, para que te vejamos
o rosto, e diz-nos o teu nome o nome
autêntico, e não esse que o poeta
inventou para te chamar num poema
que de ti só guarda o segredo;
e adormece depois, esquecendo
o que de ti disseram, e os comentários
de que foste o pretexto, e as imagens
em que, cada vez mais, foste perdendo
a tua, e única, imagem.


Nuno Júdice, Um canto na Espessura do Tempo






Azul. Era azul?...



Fonte da Telha


Azul. Era azul? Era a cor
que era, não a que pretendo
- ou seja, a que relembro.
O mar. Água, em todo o caso.
Vento por cima; ou era a voz
de alguém fazendo o ar bulir?
É na pele o que sinto
ou nos ouvidos soa? A sós
a praia. A sós, que não estou lá.


Pedro Tamen, Memória Indescritível








Liberdade



Praia da Adraga


Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando, ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.


Sophia de Mello Breyner Andresen,
Mar Novo






Miedo



Anni Adkins



Aquí, sobre tu pecho, tengo miedo de todo;
estréchame en tus brazos como una golondrina
y dime la palabra, la palabra divina
que encuentre en mis oídos dulcísimo acomodo.

Háblame de amor, arrúllame, dame el mejor apodo,
besa mis pobres manos, acaricia la fina
mata de mis cabellos, y olvidaré, mezquina,
que soy, ¡oh cielo eterno!, sólo un poco de lodo.

¡Es tan mala la vida! ¡Andan sueltas las fieras!...
Oh, no he tenido nunca las bellas primaveras
que tienen las mujeres cuando todo lo ignoran.

En tus brazos, amado, quiero soñar en ellos,
mientras tus manos blancas suavizan mis cabellos,
mientras mis labios besan, mientras mis ojos lloran.


Alfonsina Storni







escuta amor



foto: Wiora


escuta amor

talvez num dia
em que de mim já nada mais exista
te lembres de dois braços
que te abraçaram convulsivamente
nessa altura
deixa que os lábios te sangrem
deixa que o sangue
te corra pelo peito

e as mãos
essas
abandona-as...


Mário Henrique Leiria